Impacto do derramamento de petróleo em 2019 na vida dos pescadores foi potencializado pela omissão do Poder Público e abordagem da grande mídia
Em agosto de 2019, manchas de petróleo cru atingiram a costa de todos os estados do Nordeste do Brasil, afetando a vida de milhares de pescadores artesanais, se caracterizando como a maior tragédia socioambiental em extensão do país. Baseado neste acontecimento, o artigo “Pescadoras e pescadores artesanais silenciados: impacto socioambientais do derramamento de petróleo nas comunidades pesqueiras em Pernambuco” mostra que o desastre que acometeu o litoral nordestino não só afetou o meio ambiente, mas também a vida dos pescadores e pescadoras artesanais – evidenciando a sua vulnerabilidade financeira e alimentar. Além disso, o estudo, produzido pelo professor Gilberto Gonçalves Rodrigues, do Departamento de Zoologia da UFPE, e pela graduanda Beatriz da Rocha Lins da Silva, do curso de Ciências Biológicas/Ciências Ambientais, também pontua que as dificuldades foram intensificadas pela “má gestão governamental, que não agiu de prontidão, causando danos duradouros de implicações ainda desconhecidas em sua totalidade”.
O artigo, publicado no periódico Mares – Revista de Geografia e Etnociências, coletou dados de 44 pescadores de nove localidades do Recife e região litorânea de Pernambuco. Destes entrevistados, mais de 54% relataram ter passado por dificuldades financeiras devido aos impactos diretos do derramamento do petróleo ou pela quebra da cadeia produtiva do pescado, principalmente durante o período de setembro a dezembro de 2019. Além disso, quase 57% dos entrevistados mencionaram terem vivido situação de risco, seja pelo estado psicológico abalado e/ou com sintomas de cansaço extremo (estresse emocional), tanto durante quanto após o desastre. O estudo produzido pelo pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema-UFPE) e pela estudante de Ciências Biológicas da UFPE também observa que, dentre os pescadores e pescadoras entrevistados, 78% dos que vivem exclusivamente da pesca apresentaram Registro Geral da atividade de Pesca (RGP).
O trabalho explica que o RGP “é um artifício utilizado para a gestão sustentável da pesca bem como para legalizar aqueles que exercem a atividade, fazendo com que o pescador tenha direitos básicos como o seguro-defeso, que é uma importante política ambiental com finalidade de assegurar a reprodução das espécies pesqueiras e propiciar a manutenção das condições mínimas financeiras de acompanhar os ciclos reprodutivos de certas espécies protegidas por lei”.
O artigo ainda comenta que a grande mídia contribuiu “não somente para a invisibilidade dos pescadores e pescadoras quanto a sua vulnerabilidade social, econômica e ambiental, no que tange ao silenciamento de suas falas quanto ao desastre ambiental”. Segundo as análises, mais de 50% dos entrevistados mencionaram que as reportagens jornalísticas tiveram influência direta na visão da população em geral sobre a problemática do derramamento de petróleo e que isto pode ter tido sérias consequências para os problemas socioeconômicos nas comunidades pesqueiras.
MÍDIA E PODER PÚBLICO | Além de coletar dados a respeito do derramamento do óleo nas praias e como isso afetou a vida dos trabalhadores que dependem da pesca artesanal, o estudo também analisou reportagens e diários oficiais (DO) com publicações sobre o petróleo nas praias. Os resultados indicaram que os impactos sobre os pescadores e pescadoras foram agravados “não só pela invisibilidade e o descaso promovido pelo governo, como também, pela grande mídia que não dá voz aos principais atores sociais e potencializa o racismo ambiental sofrido pelos integrantes da pesca artesanal”.
“A demora da medida provisória (MP 908/2019) que instituiu o auxílio emergencial da pesca artesanal acelerou o aumento da situação de vulnerabilidade dos pescadores. Em locais como Barra de Sirinhaém, Cabo de Santo Agostinho, Itapuama, Xaréu, Candeias e Ilha de Itamaracá, além de sofrerem com os risco à biodiversidade local, saúde dos ecossistemas e segurança alimentar, a fragilidade financeira foi marcante na vida desses pescadores, uma vez que não podiam pescar, vender, nem consumir seus pescados”, comentam os autores. Tanto a desinformação como a falta de apoio dos governos municipal, estadual e federal impactaram essas comunidades ao ponto de passarem por dificuldades de sobrevivência.
Ao todo, o estudo mapeou 347 reportagens nos primeiros quatro meses de ocorrência do petróleo na costa de Pernambuco. Destas, apenas 17,2% citaram em algum momento os pescadores como sujeitos da notícia. “Mesmo quando as matérias tratavam das consequências dos impactos do petróleo, estas focaram principalmente na vida marinha, o que também deveria ser mencionado, mas não na vida dos pescadores e comunidades locais”, analisa o estudo.
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