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Meio Ambiente

Economia circular e sua relevância para a melhoria da segurança alimentar e nutricional na África Subsaariana: o caso de Gana

A população da África Subsaariana (ASS) e seu meio ambiente, agricultura e cadeias de valor agrícolas estão intimamente interligados. A agricultura é a atividade econômica predominante na região. Como informado na pesquisa de Boon e Anuga (2020), de acordo com a relatório de 2016 da OCDE-FAO, em média, a participação do setor agrícola no PIB total da região nos últimos anos foi de 15% e as estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelam que mais da metade da força de trabalho da região está empregada no setor agrícola. O rápido crescimento da população na ASS e os padrões de consumo crescentes associados estão aumentando a procura de alimentos e a expansão das terras agrícolas e a economia circular pode apresentar um papel importante em relação a esse aspecto.

A agricultura está sofrendo com diversos outros desafios, incluindo o uso de modelos de desenvolvimento obsoletos, migração rural-urbana, escassez de mão de obra agrícola, infraestrutura deficiente, acesso inadequado a financiamento e mercados e impactos negativos da mudança climática. Os níveis de produtividade agrícola na maioria dos países da ASS, como Gana, são insuficientes para satisfazer a crescente demanda por alimentos na região. Por muitas décadas, os países da ASS, como Gana, não foram capazes de produzir alimentos nutritivos suficientes para alimentar a crescente população.

Boon e Anuga (2020) citam também em sua pesquisa que a gravidade do problema de insegurança alimentar e nutricional é óbvia porque até o ano 2050, a população mundial está estimada em 9,7 bilhões e isso levará a um aumento na demanda por recursos naturais e produtos agrícolas. O problema ficará pior porque a maioria dos países do mundo depende principalmente do modelo econômico linear que tem dominado o sistema econômico mundial desde a revolução industrial.

Globalmente falando, a produção e o consumo de bens e serviços na maioria das sociedades continuam a seguir esta abordagem da economia linear, que é muitas vezes referida como o modelo de desenvolvimento de “obter-fazer-descartar” (do inglês ‘take-make-dispose’). Ao longo dos anos, a aplicação deste modelo, que depende fortemente da superexploração de recursos naturais para impulsionar o crescimento econômico global, a criação de riqueza, o consumo e a eliminação de resíduos, está cada vez mais ameaçando os sistemas de suporte de vida da Terra.

Apesar das melhorias na eficiência dos recursos em alguns países da ASS, a intensificação dos impactos das mudanças climáticas, como secas e inundações, degradação do solo, diminuição das terras aráveis e emigração de jovens das áreas rurais para os centros urbanos está restringindo a produtividade agrícola e a capacidade de a maioria dos países da SSA como Gana a produzir alimentos suficientes para alimentar as populações em crescimento. Junta-se a essas informações o fato que a ASS é a região com maior prevalência de fome, com uma pessoa em cada quatro subnutrida de acordo com a Food Aid Foundation 2019.

Informações também de grande relevância estão relacionadas às perdas e desperdícios de alimentos que chegam a cerca de US$ 680 bilhões nos países industrializados e US$ 310 bilhões nos países em desenvolvimento. O desperdício alimentar nos países desenvolvidos é estimado em 222 milhões de toneladas anualmente, quase igual à produção alimentar líquida total da SSA (230 milhões de toneladas). Nos países em desenvolvimento, 40% das perdas de alimentos ocorrem na pós-colheita e no processamento, enquanto nos países industrializados mais de 40% das perdas ocorrem no varejo e no consumidor.

Na ASS, o desperdício estimado é de cerca de 37% ou 120-170 kg/ano per capita (FAO 2011). Os países em desenvolvimento como Gana precisam buscar vigorosamente a implementação do ODS 12, que pede a redução pela metade do desperdício alimentar global per capita nos níveis de varejo e consumidor e a redução das perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento.

Com essas informações em mente, Boon e Anuga (2020) definiram como objetivo geral do artigo estabelecer a relevância teórica e prática do modelo de economia circular (EC) para a promoção do desenvolvimento sustentável na África Subsaariana e em Gana em particular. Entre as ferramentas usadas pelos pesquisadores, está o uso de um questionário estruturado que facilitou a coleta de informações de pequenos agricultores e partes interessadas da cadeia de valor agrícola (vendedores de alimentos, processadores de alimentos, distribuidores, comerciantes, consumidores, empresários do agronegócio, instituições financeiras, autoridades locais, autoridades tradicionais, proprietários de terras, pesquisadores e representantes de ONGs relevantes) sobre a circularidade de culturas selecionadas.

Economia Circular

A Economia Circular é baseada em três princípios: controle do estoque finito de recursos naturais e regeneração dos sistemas naturais; fechar loops; e evitar o desperdício desde o projeto. A definição mais conhecida de EC, como indicado pelos autores, é a da Ellen MacArthur Foundation:

“Olhando para o atual modelo industrial extrativo de ‘obter-fazer-descartar’, a economia circular é restauradora e regenerativa desde o projeto. Contando com a inovação em todo o sistema, ele visa redefinir produtos e serviços para eliminar o desperdício, ao mesmo tempo que minimiza os impactos negativos. Apoiado por uma transição para fontes de energia renováveis, o modelo circular constrói capital econômico, natural e social.”

Ainda segundo a mesma autora, o desenvolvimento do sistema de economia circular é um afastamento do modelo tradicional de economia linear que não tem sido eficaz com níveis crescentes de resíduos que não são reciclados e acabam em aterros, incineradores e espaços abertos no meio ambiente. EC é uma nova maneira de projetar, fazer e usar coisas dentro dos limites planetários.

Ao contrário da abordagem de produção linear tradicional (‘obter-fazer-descartar’) que essencialmente converte recursos naturais em produtos e, em seguida, resíduos são descartados indiscriminadamente, o modelo EC permite que as empresas circulares ‘fechem os loops’ nas cadeias de abastecimento, reutilizando produtos do ciclo de vida como matérias-primas, compartilhando recursos ociosos, usando recursos renováveis ou estendendo o ciclo de vida do produto. Os princípios-chave da CE incluem a estrutura 6R (reduzir, reutilizar, recusar, repensar, reparar e reciclar).

No caso de Gana, como nos informam os autores, uma forma viável de corrigir efetivamente a pobreza e a insegurança alimentar e nutricional é implantar sistematicamente o modelo de EC na agricultura. A aplicação do modelo à agricultura é conhecida como ‘agricultura circular’ (AC), que se concentra na produção de produtos agrícolas usando quantidades mínimas de insumos externos, fechando ciclos de nutrientes e reduzindo descargas negativas no meio ambiente na forma de resíduos e emissões. AC simplesmente implica a aplicação dos princípios da EC à produção agrícola. É um novo conceito e uma abordagem aprimorada para a agricultura que atende às necessidades das populações, recursos e meio ambiente de forma coordenada.

Análise dos resultados

Entre os resultados obtidos por Boon e Anuga (2020), foi constatado que a falta de compreensão do conceito pela maioria dos atores da cadeia de valor da agricultura é um dos principais problemas. A maioria (63,0%) dos entrevistados nunca ouviu falar do conceito de economia circular. 50% consideram que a EC é relevante para a África Subsaariana, enquanto mais da metade (55,7%) não acredita que os atores agrícolas em Gana possam colocar a EC em prática. O fato de 50% dos stakeholders pesquisados não terem ideia do conceito é ilustrativo das dificuldades de implantação de AC no país.

As pesquisas mostraram que 16,7% dos entrevistados pensam que a economia circular é apenas a prevenção da dependência excessiva dos recursos naturais, 13,9% a redução da produção de resíduos e 11,1% sobre uso de compostagem. Conhecimento e compreensão inadequados de EC/AC podem impedir significativamente uma implementação eficaz dos conceitos no futuro sobre agricultura, segurança alimentar e nutricional e pobreza.

A fim de verificar até que ponto o modelo de AC está sendo implantado pelas partes interessadas agrícolas para alcançar o desenvolvimento socioeconômico, a eficiência de recursos e a proteção ambiental, o artigo usou a estrutura 6R (reduzir, reutilizar, recusar, repensar, reparar e reciclar), tendo sido verificado que os princípios da AC de reutilizar, recusar, repensar, reparar e reciclar não estão bem incorporados nas atividades dos atores da cadeia de valor da agricultura, em parte devido à educação inadequada sobre o conceito. Em outras palavras, as práticas do modelo de economia linear ainda são predominantes no setor agrícola de Gana.

A intensificação da circularidade agrícola em Gana concentra-se principalmente na redução de resíduos. As normas culturais predominantes nas comunidades rurais e mesmo entre os grupos de elite constituem algo negativo a prática do reuso. Por exemplo, a reutilização de um recurso pode fazer com que alguém pareça pobre, preguiçoso ou estrangeiro aos olhos da comunidade.

Os principais desafios que impedem a transição de Gana para AC identificados pela maioria dos entrevistados incluem políticas inadequadas, capacidades humanas, institucionais e financeiras inadequadas, falta de tecnologias de AC e pouca participação das partes interessadas. É interessante notar, destacam os pesquisadores, que em algumas áreas onde os princípios da AC são efetivamente praticados, os benefícios máximos foram obtidos. Por exemplo, os produtores de hortaliças em Navrongo, na região nordeste, estão desfrutando de baixo custo de produção, aumento da renda e oportunidades de diversificação dos meios de subsistência e preservação da biodiversidade. Além disso, a implantação dos princípios da AC influenciou positivamente a redução da pobreza, melhorou a saúde e o bem-estar social, a segurança alimentar e o empoderamento das partes interessadas agrícolas em várias comunidades nos locais de estudo.

Os autores indicam que, para corrigir esses desafios, é necessário ampliar a implantação do conceito e suas práticas por meio de políticas, estratégias e ações concretas bem elaboradas. Em primeiro lugar, as abordagens top-down existentes para a agricultura e o desenvolvimento nacional devem ser substituídas por estratégias bottom-up adequadas em todas as regiões do país. A adaptação de abordagens bottom-up para criar consciência em todas as cadeias de valor agrícolas no país e aumentar o investimento financeiro no setor precisa ser ampliada e tornada mais atraente.

Finalmente, acelerar a transição do país para a AC e estabelecer uma trajetória de sustentabilidade exige colaborações internacionais que garantam a transferência de tecnologias apropriadas e a assistência técnica às partes interessadas da cadeia de valor agrícola.

De uma perspectiva sociocultural, a AC pode efetivamente influenciar a redução da pobreza, a segurança alimentar e nutricional, o empoderamento de grupos vulneráveis, saúde de qualidade e bem-estar social.

A implantação do modelo de AC ajudará a melhorar as cadeias de valor agrícolas e fornecerá amplas oportunidades para empoderar grupos vulneráveis e o desenvolvimento de comunidades rurais. Uma aplicação massiva dos princípios da AC em Gana também ajudará a entregar benefícios ambientais significativos, como gestão sustentável de recursos naturais, gestão eficiente de resíduos e redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Observações dos autores:

Embora o artigo tenha gerado descobertas interessantes, ele tem uma série de limitações inerentes que devem ser abordadas por futuros pesquisadores que trabalham no assunto. A primeira limitação principal do artigo é sua natureza exploratória e escopo geográfico limitado ao norte de Gana. Essas duas restrições tornam irrealista a generalização dos resultados do artigo para todo o país.

Em segundo lugar, a indisponibilidade de dados sobre as práticas de AC nos locais de estudo não permitiu uma análise quantitativa rigorosa. A maioria das partes interessadas da cadeia de valor agrícola, incluindo as empresas de agroprocessamento, não tinha bancos de dados sobre suas operações. Portanto, recomenda-se que estudos transversais e comparativos aprofundados sejam conduzidos no país para estabelecer o conhecimento sobre AC e para ampliar sua implantação nas cadeias de valor das principais culturas e produtos agrícolas.

Fonte: BOON, E.K.; ANUGA, S.W. Circular Economy and Its Relevance for Improving Food and Nutrition Security in Sub-Saharan Africa: the Case of Ghana. Materials Circular Economy, v. 2, n.5, 2020.
Leia o artigo completo. Acesse: doi.org/10.1007/s42824-020-00005-z.

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