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Ciências Biológicas

Microplásticos encontrados em pinguins-gentoo na Antártica

A poluição por plástico é uma das questões ambientais que tem trazido grandes preocupações entre cientistas, formuladores de políticas e o público em geral. Um aspecto deste tipo de poluição que tem recebido atenção crescente nos últimos anos é o dos microplásticos, definidos como quaisquer partículas de plástico menores que 5 mm, que são fabricadas como pequenas partículas ou originadas da fragmentação de itens de plástico maiores. Essas partículas podem ser submetidas a uma série de processos complexos no ambiente (como intemperismo, agregação), produzindo uma variedade de partículas com diferentes formas e tamanhos, por exemplo. Além disso, elas podem lixiviar aditivos químicos e adsorver produtos químicos orgânicos que são encontrados no meio ambiente, e alguns desses compostos podem bioacumular, causando impactos negativos para espécies e ecossistemas.

Como observado na pesquisa de Bessa et al, os microplásticos estão presentes na maioria dos habitats, incluindo rios, lagos, oceanos, solo e ar e estão biodisponíveis para ingestão por uma variedade de biota aquática, do zooplâncton à megafauna. Essas partículas foram detectadas inclusive em áreas remotas como o Ártico e a Antártica.

Apesar de ser remoto, o ambiente antártico pode estar sujeito a fontes locais de poluição por plástico proveniente de atividades de pesca, turismo ou estações de pesquisa, por exemplo. Os microplásticos poderiam chegar à Antártica por três rotas distintas: de atividades humanas locais, de fora da Antártica na circulação atmosférica/oceânica ou de transporte biológico por organismos que migram para a Antártica de águas mais ao norte e induzidos pela dispersão causada por tempestades e pelo aquecimento global. No entanto, como observam os pesquisadores, os dados disponíveis sobre esses processos na Antártica ainda são tão limitados que o Comitê Científico de Pesquisa Antártica criou recentemente um grupo de ação sobre a poluição por plásticos (The Scientific Committee on Antarctic Research – SCAR).

Dentre os organismos marinhos da Antártica, as aves marinhas são consideradas um dos bioindicadores mais convenientes de mudanças ambientais. Os pinguins antárticos, como os pinguins-gentoo Pygoscelis papua, têm sido considerados organismo padrão para monitorar a contaminação nos ecossistemas marinhos da Antártica. Os pinguins-gentoo também são uma espécie apropriada neste contexto devido aos seus movimentos limitados fora de sua área de vida ao longo do ano, conforme demonstrado por dados de rastreamento, dieta e estudos genéticos, que excluem a possibilidade de ingestão de detritos plásticos de águas fora da Antártica.

Com essa preocupação, o objetivo do estudo de Bessa et al foi avaliar a ocorrência de microplásticos em um predador de topo, o pinguim gentoo Pygoscelis papua da região Antártica (Bird Island, South Georgia e Signy Island, South Orkney Islands) e avaliar o potencial de transferência de microplásticos através da Antártica por teias alimentares marinhas. Para isso, a presença de microplásticos em fezes (como prova de ingestão) foi investigada para avaliar a viabilidade de uma abordagem não invasiva para análises de microplásticos em pinguins antárticos. Uma amostra total de 80 fezes de pinguins foi coletada e todos os microplásticos presentes foram extraídos.

Entre os resultados, os autores identificaram, no total, 19 microplásticos nas fezes e as microfibras foram a forma mais abundante nas fezes de ambas as ilhas (58%), seguidas por fragmentos (26%) e filmes (16% ) de cores e tamanhos diferentes. Das 16 amostras com microplásticos, havia em média 1,19 ± 0,54 itens por amostra: intervalo de 1-3 partículas, com diferentes valores médios de ambas as ilhas.

Sete tipos diferentes de polímero foram identificados nas fezes de pinguins de ambos os locais. Poliéster representou a maior proporção (60%), principalmente microfibras, seguido por fibras do polímero celulose semi-sintético Rayon (15%, detectado apenas em Signy Island), enquanto as demais partículas (fragmentos e filmes) foram identificadas como polímeros únicos (poliacrilonitrila, polipropileno, polietileno e poliacrilato). Além disso, a composição dos polímeros variou nas duas ilhas com 3 tipos de polímeros sendo registrados em Signy Island (Rayon, poliacrilato e poliéster), enquanto uma maior diversidade foi registrada para microplásticos encontrados em Bird Island (poliacrilamida, poliacrilonitrila, poliéster, polipropileno e polietileno).

De acordo com os pesquisadores, até onde possam sabem, seu estudo é o primeiro a mostrar que os microplásticos estão presentes no trato gastrointestinal de pinguins se alimentando nas águas da Antártica e, portanto, potencialmente disseminados na cadeia alimentar marinha da Antártica. Os microplásticos provavelmente foram ingeridos e absorvidos por pinguins-gentoo por ingestão direta (por exemplo, devido à identificação incorreta de microplásticos para alimentos), ingestão indireta por presas contaminadas (por exemplo, o krill antártico é capaz de ingerir microplásticos em experimentos de laboratório, então é provável que também podem ingerir microplásticos na natureza) e/ou ingestão acidental por meio de água/sedimentos contaminados (microplásticos em sedimentos da Antártida foram observados, podendo ser ingeridos os pinguins enquanto alisam suas penas).

De acordo com diversos estudos, a dieta dos pinguins-gentoo geralmente inclui uma alta porcentagem de krill antártico, então a contaminação observada de fezes de gentoo implica que outras espécies dependentes de krill antártico também podem ser suscetíveis de serem contaminadas com microplásticos. O krill antártico desempenha um papel fundamental nos ecossistemas marinhos antárticos, nos quais a maior parte da produtividade primária é passada para os consumidores secundários por meio de uma única espécie principal de alimento. Assim, os microplásticos podem ser transmitidos entre vários organismos dentro da cadeia alimentar marinha da Antártica.

De maneira geral, os dados apresentados na pesquisa confirmam que os microplásticos estão presentes em pinguins da região Antártica e subantártica, tendo sido demonstrado que a análise de fezes de pinguins é uma abordagem adequada para avaliar mudanças antropogênicas na Antártica em relação à presença e distribuição de microplásticos, por se tratar de um método não invasivo, podendo ser considerado uma primeira abordagem adequada para áreas ou espécies que são pouco estudadas.

Os pesquisadores observam que mais trabalhos são necessários para avaliar o destino e transporte de microplásticos no ecossistema antártico e seus impactos nas espécies-chave. Deve ser levado em consideração o aumento no consumo de plásticos e seus efeitos quando não corretamente descartados, além disso, que correntes de superfície conectam a Antártica com o resto do planeta e podem permitir a entrada de microplásticos na região.

Em contraste, as fontes locais de microplásticos são relativamente pequenas, já que o número de estações de pesquisa, embarcações de turismo e embarcações de pesca ainda é pequeno, tornando a Antártica muito escassamente povoada em comparação com outras partes do planeta. Contudo, destacam Bessa et al, alguns autores estimam que cerca de 25,5 bilhões de fibras de origem sintética estão potencialmente entrando no Oceano Antártico por década devido à lavagem de roupas, contribuindo substancialmente para os níveis locais de microplásticos. Uma investigação muito mais ampla seria necessária para revelar todo o espectro da poluição microplástica na Antártica.

Fonte: BESSA, F.; RATCLIFFE, N.; OTERO, V.; SOBRAL, P.; MARQUES, J.C.; WALUDA, C.M.; TRATHAN, P.N.; XAVIER, J.C.. Microplastics in gentoo penguins from the Antarctic region. Scientific Reports, 9, n. 14191, 2019.
Leia o artigo completo. Acesse: doi.org/10.1038/s41598-019-50621-2.

Leia também sobre uma pesquisa que analisou a presença de microplásticos em rio urbano em Sorocaba-SP.

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