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Ciências Biológicas

Jardins privados: a biodiversidade escondida nas moradias

Os jardins privados são patrimônios de famílias e residências no mundo inteiro e dão mais cor e vida às moradias. Um fato pouco conhecido é que a biodiversidade presente nesses espaços tem um grande impacto nos ecossistemas das cidades. Esta é a conclusão de um estudo no Reino Unido, realizado pela Universidade de Sheffield, que identifica a vida selvagem presente nos jardins das casas britânicas, e que tem forte relação com pesquisas atuais na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Nesse sentido, o arquiteto e professor da UFSM do campus de Cachoeira do Sul, Ricardo Rocha, reparou que grande parte da vegetação da cidade de Cachoeira do Sul tinha uma lógica diferente das áreas verdes planejadas pela prefeitura. Rocha passou a analisar os jardins privados e notou que, junto aos cemitérios, terrenos, rótulas, clubes e escolas, eles constituem a base ecológica das cidades.

Por serem espaços espalhados pelas cidades, a contribuição dos quintais se dá em complementaridade com os espaços públicos e é um tanto complexa, de acordo com o docente. Ele explica que as áreas públicas, como parques, têm uma grande biodiversidade e contribuem para melhorar o microclima – área pequena cujas condições atmosféricas diferem da zona exterior. Já os jardins privados, que são  relativamente menores, contribuem para a drenagem da água da chuva, a permeabilidade do solo, e, como ligam-se à manutenção de espécies exóticas -, com papel destacado na polinização, além de influenciar na biodiversidade.

De acordo com o arquiteto, os jardins privados também agregam positivamente para a saúde pública, já que a vegetação aumenta a qualidade do ar e, consequentemente, reduz a incidência de doenças respiratórias. Existem, ainda, benefícios para a saúde mental, como a redução do estresse e melhorias na memória.

O estudo em Cachoeira do Sul

A base da metodologia de pesquisa utilizada por Ricardo foram os estudos tipo-morfológicos, nos quais se analisa a morfologia – estudo da configuração urbana e dos fatores que causam a modificação de uma determinada área – para avaliar como a cidade se estrutura. Em relação aos locais estudados, são levados em consideração o tamanho, a quantidade de áreas verdes, as escalas dos jardins, os cálculos delas, seus recortes na cidade e amplo uso de levantamentos por meio de fotos aéreas.

Com essas fotos, foi possível estimar o percentual de vegetação na cidade de Cachoeira do Sul. Assim, o pesquisador observou que 20% a 30% das áreas verdes do município são jardins privados. Ao levar em consideração esses percentuais, o arquiteto concluiu que a subtração dos jardins privados reduziria a biodiversidade do meio urbano, ou seja, quanto menos vegetação, menos espécies de fauna e flora. Além disso, essa falta de verde também pode levar à impermeabilização do solo e ocorrência de enchentes devido à falta de drenagem.

Na visão do arquiteto, existe necessidade de ações que incentivem a adesão aos jardins. Isso ocorre, por exemplo, devido às consequências do boom imobiliário em cidades populosas no Brasil, como é o caso de Santa Maria, que passa por um processo de verticalização em função da demanda residencial para universitários, que vêm à cidade passar certos períodos e, muitas vezes, optam por alugar moradias em edifícios e prédios. Essa ampla adesão às moradias verticais oferece um espaço cada vez menor para as casas com jardins, que muitas vezes são derrubadas para a construção de edifícios.

É possível dimensionar o impacto dos jardins quando são colocadas em análise as cidades verticais, como a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Nelas, sem medidas compensatórias, pode haver uma carência muito grande de biodiversidade. Pesquisadores da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, que têm trabalhos em parceria com Ricardo, desenvolvem, nessa direção, estratégias para tornar mais verdes os ambientes de alta densidade urbana, como fachadas e coberturas verdes, além de um incentivo para que sejam cultivadas plantas nas mais diversas situações, mesmo dentro de apartamentos, em vasos. Nesse sentido, o pesquisador salienta a importância de um esforço para manter a vegetação e a biodiversidade existente nos jardins urbanos.

O Projeto BUGS – Biodiversidade nos Jardins Urbanos em Sheffield

O professor Ricardo Rocha pôde ter acesso a dados e conclusões previamente verificadas por pesquisadores da Universidade de Sheffield, o que contribuiu muito com seu estudo. Kenneth Thompson, professor aposentado da Universidade de Sheffield é pesquisador do Projeto BUGS (Biodiversidade nos Jardins Urbanos em Sheffield), no qual foi feito  uma série de estudos sobre a ecologia do ambiente urbano e a contribuição dos jardins nesse espaço.

Para Thompson, devido à imensa diversidade dos jardins britânicos, uma regulamentação do poder público sobre os pátios privados seria invasiva e alteraria o aparecimento natural de espécies, caso os espaços fossem geridos pelas prefeituras, uma vez que a natureza realiza uma autogestão fluída nos espaços dos jardins. Ele comenta que, na Inglaterra, os jardins são extremamente comuns em grande parte das cidades.


A partir do programa de Ecologia Urbana da Universidade de Sheffield, Ken Thompson se reuniu com o colega de profissão, Kevin Gaston, para iniciarem o projeto BUGS. O interesse surgiu a partir da obraVida Selvagem de um jardim: um estudo de 30 anos’ – na versão original, em inglês, Wildlife of a Garden: A Thirty-year Study -, no qual a autora, Jennifer Owen, faz uma investigação de três décadas para analisar e identificar a biodiversidade presente no seu próprio jardim privado.

Funções ambientais dos jardins

A pesquisa contou com a análise de 61 jardins na cidade de Sheffield. “Os jardins se tornaram cada vez mais um refúgio para a vida selvagem”, explica Thompson, ao evidenciar as problemáticas da agricultura intensiva, do desmatamento e da drenagem urbana como agentes na perda do espaço nativo de muitas espécies, fenômeno que ocorre tanto na Inglaterra quanto no Brasil. Nesse sentido, os jardins têm um papel fundamental e servem de habitat para centenas de espécies desabrigadas por forças antrópicas, como lesmas, minhocas, centopeias, moscas, abelhas, vespas, besouros, aranhas, sapos, borboletas e passarinhos.

De acordo com o pesquisador britânico, além dessa função importante para a vida selvagem, os jardins urbanos também têm a capacidade de reduzir a poluição sonora e atmosférica, a temperatura e o risco de inundação nas cidades. A vegetação presente nos jardins se torna a base de todo o ecossistema e potencializa os fenômenos naturais e a biodiversidade.

Além disso, os pátios são essenciais na prevenção ambiental e de catástrofes. Tanto o estudioso da Inglaterra quanto o do Brasil abordam questões relacionadas à importância ecológica da vegetação no meio urbano. Eles explicam que as plantas são capazes de filtrar o ar, ao reter a poluição atmosférica e converter o gás carbônico em gás oxigênio.

Rocha elucida que em épocas de chuvas fortes, áreas com maior vegetação têm a capacidade de drenar a água da chuva, enquanto os locais sem tanto verde não são permeáveis e levam ao menor escoamento pluvial e até mesmo à enchentes. Assim, o estudo infere que as áreas verdes têm um papel fundamental na infiltração da água. 

Outro ponto essencial tratado pelo professor inglês é a vida selvagem em transição nos jardins privados. “Muitas espécies de insetos, anfíbios e pássaros vão utilizar uma rede de pátios, realizando um movimento de um jardim para outro em busca de comida e ninhos”, enfatiza. Ele exemplifica o caso da polinização com as abelhas, que exploram uma grande rede de jardins em busca de pólen.

Para Thompson, existe um papel importante nos elementos dados como “sujeira” nos jardins privados. Plantas mortas, galhos e folhas secas são alimento e habitat para muitas espécies, e removê-las significa limitar a biodiversidade do local. De acordo com o professor, os proprietários não devem interferir de forma invasiva na vegetação dos jardins com o intuito da manutenção do ecossistema.

Expediente:

Reportagem: Isadora Pellegrini, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Design gráfico: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista; e Vinícius Bandeira, acadêmico de Desenho Industrial e voluntário; Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário; Edição de produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.

Fonte: Revista Arco – UFSM

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