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Ciência e Tecnologia

Descoberta pode contribuir para aumentar e baratear a produção do etanol de segunda geração

Pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Plantas da Universidade Estadual de Maringá (Bioplan-UEM) e do Laboratório de Fisiologia Ecológica da USP (Lafieco-USP) conseguiram aumentar em até 120% a sacarificação do bagaço da cana-de-açúcar ao longo de 12 meses. No caso da soja, ocorreu um acréscimo de 36% em 90 dias, enquanto a sacarificação do capim braquiária cresceu 21% em 40 dias.

Isso ocorreu graças à aplicação de compostos naturais às plantas – um deles à base de ácido metilenodioxicinâmico (MDCA); outro, com ácido piperolínico (PIP); e um terceiro que leva daidzina (DZN). “Desenvolvemos três compostos diferentes, cada um com características específicas, que foram aplicados individualmente à cana-de-açúcar, à soja e à braquiária”, explica o biólogo Wanderley Dantas dos Santos, coordenador do Bioplan-UEM.

Segundo Santos, MCDA, PIP e DZN são inibidores da lignina, molécula que confere rigidez à parede celular da planta. “De forma geral, os compostos que desenvolvemos alteram o metabolismo da lignina. Isso facilita o acesso à parede celular da planta, que é onde está localizada a celulose. Assim é possível produzir mais açúcar, mais carboidrato”.

O experimento, financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, está relatado no artigo Natural Lignin modulators improve lignocellulose saccharification of field-grown sugarcane, soybean and brachiaria. O texto, que traz Santos como primeiro autor, foi publicado recentemente no jornal Biomass and Bioenergy. O projeto é apoiado pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês), sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Shell.

Aumento de produção

No caso da cana-de-açúcar, a descoberta pode contribuir para aumentar e baratear a produção do chamado etanol de segunda geração, feito a partir do resíduo da biomassa (bagaço) da planta. O grande produtor desse tipo de álcool, que corresponde a 1,5% da produção nacional, é a Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, situada no interior de São Paulo. “Nossa ideia é gerar uma cana-de-açúcar mais fácil de sacarificar, ou seja, de extrair os açúcares das celuloses”, diz Santos, que é professor visitante do RCGI.

Segundo o botânico Marcos Buckeridge, coordenador do Lafieco-USP e do INCT do Bioetanol, atualmente a indústria tem um gasto financeiro alto para realizar o chamado pré-tratamento, quando se retira a lignina para tornar os carboidratos acessíveis às enzimas, que então irão digerir esses polissacarídeos e assim produzir açúcares que podem ser fermentados para produzir o etanol de segunda geração. “Isso impacta o custo de produção em 30%”, informa Buckeridge, um dos maiores especialistas do mundo em etanol de segunda geração e pesquisador do RCGI.

Com a aplicação dos compostos desenvolvidos pelos pesquisadores seria possível melhor aproveitar a biomassa da cana-de-açúcar.

“Com a modificação na lignina, o bagaço se torna mais fácil de ser digerido pelas enzimas. Ou seja, será necessário utilizar menos enzimas no decorrer do processo. As enzimas correspondem à parte mais cara da produção do etanol de segunda geração. Hoje boa parte desse bagaço é descartada pela indústria. “A utilização do bagaço poderia aumentar em até 40% a produção de etanol no Brasil”.

Alimentação do gado

Os pesquisadores também testaram os compostos na braquiária, utilizada para alimentação do gado. “Na digestão, o animal consegue extrair mais carboidrato desse capim”, relata Santos. “Como o rebanho vai ficar nutrido com menor quantidade de capim, será possível colocar mais gado por metro quadrado. Isso ajudaria, por exemplo, a evitar o desmatamento para a produção de proteína animal.”

A soja com lignina modificada também poderia servir de ração para o rebanho. “Hoje, o gado costuma ser alimentado com milho e um complemento proteico. A soja poderia substituir parcialmente esse complemento proteico. Com a aplicação dos compostos, ela se torna mais palatável em termos nutricionais e deixaria o animal satisfeito com uma porção menor de alimento”, diz Santos.

Pesquisa de fôlego

De acordo com Santos, o artigo publicado no jornal Biomass and Bioenergy é resultado de mais de uma década de pesquisa. O ponto de partida foi o estágio de pós-doutorado em Bioquímica e Fisiologia Ecológica de Plantas que desenvolveu na USP, sob supervisão de Buckeridge, entre 2007 e 2009. Além dos dois pesquisadores, alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado da UEM e da USP sob a supervisão de Santos e Buckeridge também assinam o artigo. “É um trabalho de equipe”, afirma Santos.

Em 2018 os três compostos desenvolvidos pelos pesquisadores obtiveram patente. Isso motivou a criação de duas startups, encabeçadas por estudantes da UEM: a Power Growth e a Biosolutions. Ambas já foram contempladas em editais como o Catalisa, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Paraná, e o AWC, realizado pela operadora TIM em nível nacional. “A ideia é desenvolver um produto a partir de um desses compostos”, esclarece Santos.

Mas a pesquisa ainda está em curso. Agora com recursos do RCGI, o grupo desenvolve um projeto visando a testar a eficácia da tecnologia na unidade da Raízen, sediada em Campinas. Além disso, os pesquisadores estão desenvolvendo um coquetel com enzimas e fungos brasileiros para ser usado na produção de etanol de segunda geração e não mais depender da empresa europeia que detém esse monopólio no mundo. “Cerca de 30% do custo do etanol de segunda geração está relacionado à compra dessas enzimas”, explica Buckeridge.

Soja – Foto: Freepik

Sem efeitos colaterais

Segundo Santos, nenhum dos três inibidores traz efeito colateral para a planta. “Conseguimos chegar a uma dose que promove a sacarificação sem prejudicar o crescimento da planta”, afirma o pesquisador. Os compostos também não prejudicam outros seres vivos. “Essas moléculas têm apenas carbono, oxigênio e hidrogênio. São, portanto, de fácil degradação no meio ambiente. No caso, a própria planta destrói essas moléculas convertendo-as em água e CO2. Os compostos não deixam resíduos que posteriormente chegariam aos animais e aos seres humanos.”

Os pesquisadores também usaram a chamada engenharia fisiológica para induzir a produção de lignina. Em parceria com uma grande indústria de fertilizantes do Paraná, o grupo conseguiu demonstrar que plantas de soja tratadas com esse tipo de composto apresentam entre 30% e 40% mais lignina em folhas, caules, vagens e grãos. “Isso protege, por exemplo, os grãos de danos mecânicos que ocorrem durante a colheita, transporte e armazenamento”, diz Santos.

Além disso, o grupo obteve sucesso na utilização da engenharia fisiológica para acelerar a produção de mudas para arborização urbana, reflorestamentos e recuperação de pastagens degradadas. “As possibilidades são inúmeras e promissoras. A engenharia fisiológica é uma tecnologia baseada em estratégias utilizadas pelas próprias plantas na natureza. Ela abre todo um novo campo de pesquisa e aplicações que, junto com o melhoramento genético e a engenharia genética, apenas começa a mostrar seu potencial para contribuir com o avanço da agricultura e da agroindústria no Brasil”, finaliza Santos.

Sobre o RCGI

O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fapesp e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores.

Da Assessoria de Comunicação do RCGI

Fonte: Jornal da USP

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