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Ciências Biológicas Mulheres na Ecologia

Decifrando o mistério das formigas – Pesquisadora usa genética para diferenciar espécies de formigas brasileiras

Na natureza, nem tudo é o que parece, e encaixar essas variações em categorias pode ser, muitas vezes, um verdadeiro trabalho de detetive. Acontece que, embora seja um dos pilares da biologia, a definição do que é uma espécie ainda é umgrande desafio.

Segundo a doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Unicamp, Marianne Silva, quando a diversidade de um grupo não é tão grande, definir o que é uma espécie pode ser mais fácil. Porém, em casos como o de formigas essa jornada é mais complicada, como é o caso das Camponotus!

Abundantes no cerrado, as Camponotus renggeri e C. rufipes participam de várias interações de defesa com as plantas, sendo bastante utilizada em trabalhos de interação formiga-planta no Cerrado e em trabalhos de levantamento de fauna. Contudo, por muito tempo, existiu uma incerteza sobre a sua taxonomia (o grupo em que se encaixam) e até se elas eram mesmo duas espécies ou apenas uma.

Para resolver esse mistério da natureza, Marianne e a equipe do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Unicamp, contaram com a ajuda da genética. “Olhamos para a composição genética dessas formigas, usando marcadores moleculares microssatélites e amplificação do gene mitocondrial COI”, conta a pesquisadora.

Marianne e sua equipe também caracterizaram em que tipo de ambiente as formigas mais ocorriam, os tipos de ninhos de cada espécie, sua distribuição e sua composição em termos de número de rainhas e operárias nas colônias. “Juntas essas informações e evidências nos permitiram mostrar que, de fato, essas duas espécies se tratam de diferentes entidades taxonômicas”, explica Marianne.

DNA de Formiga

Porém, o grupo não parou por aí! A partir dos resultados de sua pesquisa, Marianne desenvolveu um segundo estudo. O objetivo dessa vez era encontrar os subgrupos genéticos dentro da espécie C. rufipes, o que não foi observado para C.renggeri. “Na época, a gente se perguntou se havia alguma diferença no sistema reprodutivo dessas espécies que levavam a essa distinção na distribuição da diversidade genética”, lembra a pesquisadora.

Para resolver esse novo mistério a equipe decidiu estudar a composição genética das colônias e utilizaram marcadores microssatélites, uma análise muito parecida com as feitas nos exames de DNA para verificar a paternidade em humanos. “Conseguimos olhar para as linhagens maternas e paternas das duas espécies e mostramos que elas têm estratégias reprodutivas diferentes. No entanto, o nível de diversidade genética dentro das colônias era igual”. Ou seja, diferentes estratégias reprodutivas podem levar ao mesmo resultado no nível da diversidade genética.

Com essa descoberta, veio a dúvida: se a resposta para a diferenciação de padrões de distribuição de diversidade genética não está na reprodução das espécies, o ambiente seria o responsável?

Com isso em mente, a equipe partiu para o terceiro estudo! Segundo Marianne, para responder a essa pergunta eles usaram uma abordagem recente de genética da paisagem. “Nesse tipo de análise, usamos os dados genéticos das formigas para entender como o ambiente facilita ou impede a dispersão delas”, explica Marianne.

O resultado foi de que o ambiente não influencia a dispersão da C. renggeri, mas a da C. rufipes sim! Acontece que nela as rainhas dependem de áreas de cerrado para se dispersarem, “assim, áreas fragmentadas de cerrado podem ser uma barreira à dispersão dessa espécie, levando à formação de subgrupos genéticos”, concluíram a equipe.

Conhecendo a biodiversidade

Segundo Marianne, esses resultados são importantes à medida que mostram que quanto mais fontes de evidências utilizamos, mais robusto é o reconhecimento de uma espécie como válida. O que é ainda mais crucial quando se busca identificar a biodiversidade de espécies.

“Em meu trabalho um estudo foi encadeado pelo outro e hoje temos uma compreensão melhor do que influencia a diversidade genética das formigas, um aspecto pouco explorado em ambientes Neotropicais, como o Brasil. Isso nos permite aprofundar e entender melhor os sistemas biológicos, dando ainda mais embasamento para, por exemplo, medidas de conservação das espécies”, destaca Marianne.

Além disso, embora o estudo tenha sido focado em duas espécies de formigas, incertezas taxonômicas existem em diferentes grupos de seres vivos. “A abordagem que utilizamos pode ser estendida e adaptada a esses diferentes grupos”, ressalta Marianne.

O que é a ecologia molecular?

Ecologia molecular é um ramo de estudo em que se busca responder perguntas que são essencialmente ecológicas e evolutivas, mas a metodologia inclui a análise de dados moleculares. Por meio dessas informações conseguimos responder perguntas que são difíceis, ou impossíveis, de responder apenas com dados observacionais.

Segundo Marianne, temos exemplos fantásticos do uso de dados moleculares dentro da ecologia. Por exemplo, a partir do DNA de plantas encontrados nas fezes dos grandes herbívoros da África, pesquisadores foram capazes de entender como esses animais conseguem coexistir, mesmo todos comendo plantas.

No mar, pesquisadores foram capazes de dizer – por meio de DNA encontrado na água – quais espécies de peixe ocorrem em diferentes faixas de distância. Além disso, fazendo teste de paternidade em lobos marinhos, pesquisadores conseguiram mostrar que esses animais fazem cópula subaquática.

No Brasil, cientistas olharam para a composição genética dos mangues e conseguiram mostrar que os mangues do norte do país apresentam adaptações diferentes daqueles localizados no sudeste do Brasil. “Ou seja, são muitos exemplos legais e que mostram que a ciência fica ainda mais interessante quando diferentes áreas se juntam para investigar problemas”, finaliza Marianne.

Confira também: Em estudo capitaneado por pesquisadores da UNIFESP, bitucas de cigarro compuseram 50% dos resíduos encontrados em mutirão realizado em praia na região de Santos-SP

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