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Meio Ambiente

Aumento do risco de incêndios em áreas naturais exige estratégias de prevenção com embasamento científico

Recentes incêndios de grandes proporções na Amazônia e no Pantanal, aliados ao aumento no risco de novos eventos desse tipo causados pelas mudanças climáticas, pelas mudanças no uso da terra e pela falta de um manejo adequado deste problema, compõem um panorama complexo que mobiliza pesquisadores da Ecologia e de áreas correlatas. A importância do tema e a necessidade de que o assunto seja debatido com bases científicas uniram 11 pesquisadores de diferentes instituições na autoria do artigo Understanding Brazil’s catastrophic fires: causes, consequences and policy needed to prevent future tragedies, publicado em 21 de julho no periódico Perspectives in Ecology and Conservation. Com base no entendimento das causas e dos efeitos do fogo no conjunto dos ecossistemas e biomas brasileiros, o estudo propõe abordagens eficazes de prevenção de incêndios e de manejo do fogo.

O professor do Departamento de Botânica da UFRGS Gerhard Overbeck, um dos autores do texto, explica que esse tema é complexo e que, muitas vezes, o debate em torno do assunto se baseia em preconceitos. Ele alerta que o risco de eventos graves de incêndios poderá aumentar, por isso o País precisa estar preparado. Segundo o pesquisador, é necessário definir políticas e estratégias de manejo que levem em conta os processos naturais e socioculturais envolvidos – como as mudanças climáticas, ciclos de seca, tipo de vegetação, desmatamento para o avanço da fronteira agrícola, usos tradicionais na pecuária ou para extrativismo, por exemplo – e que tenham uma base científica sólida.

Overbeck relata que o estudo foi conduzido no âmbito do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abaeco). Diante da importância de enfrentamento urgente do problema, o grupo de pesquisadores, assessorados por gestores públicos e políticos, reuniu-se em um workshop online em outubro de 2020, a fim de analisar as questões que envolvem os incêndios em áreas naturais e elaborar o estudo, buscando oferecer uma revisão atualizada sobre o tema não só para o público acadêmico, mas também para gestores e formuladores de políticas ambientais. O apoio financeiro foi do Programa Biota/Fapesp e do CNPq por meio do Centro de Síntese em Biodiversidade (SinBiose) e do edital PrevFogo/Ibama.

Na publicação, os pesquisadores mostram que o Brasil possui biomas e ecossistemas com diferentes respostas ao fogo. Enquanto as florestas tropicais (como a Amazônia e a Mata Atlântica) são extremamente vulneráveis às queimadas, os campos naturais e savanas (como os Campos Sulinos e o Cerrado) apresentam adaptações ao fogo e têm muitos de seus processos ecológicos dependentes dele. No entanto, mesmo os ecossistemas adaptados respondem de forma diferente, dependendo do tipo, da frequência, da sazonalidade, da intensidade e da extensão da sua ocorrência. O esquema gráfico abaixo mostra como as causas e os efeitos do fogo afetam cada tipo de ecossistema.

Desde 2014 o Brasil conta com uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo que procura controlar a quantidade de material de fácil combustão e diminuir o risco de incêndios florestais. Essa estratégia permite a integração de práticas tradicionais de gestão de incêndios das populações locais ao manejo das áreas protegidas, mas ainda não foi amplamente implementada em todo o país. Os pesquisadores apontam a necessidade de formulação de uma estratégia geral clara para lidar com o fogo em terras privadas, permitindo seu uso controlado quando for benéfico e evitando-o quando os efeitos negativos forem dominantes.

Segundo Overbeck, uma pesquisa que vem sendo realizada no Parque Nacional da Lagoa do Peixe (no litoral do Rio Grande do Sul) analisa o uso do fogo para a restauração de áreas degradadas pelo plantio do Pinus. “Conseguimos demonstrar que ele pode ser importante para essa restauração, porque remove a serrapilheira, permitindo o recrutamento de espécies nativas, e impede a reinvasão do Pinus ao queimar as sementes”, explica o pesquisador. O estudo integra o projeto de pesquisa Restauração ecológica de campos de dunas no Parque Nacional Lagoa de Peixe, financiado pela Fundação Grupo O Boticário e conduzido por pesquisadores do Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre da UFRGS (LEVCamp), coordenado por Overbeck.

No estudo, os pesquisadores também fazem um resgate de percepções históricas e políticas relacionadas ao uso e gestão do fogo no Brasil. Eles mostram que o País já teve iniciativas de sucesso unindo os setores público e privado, demonstrando que é possível alcançar desenvolvimento socioeconômico com objetivos de conservação ambiental. Overbeck destaca que é falso o conflito entre agricultura e meio ambiente. “A manutenção dos ecossistemas naturais é fundamental para a qualidade de vida e para a produção agrícola”, afirma.

Por fim, os pesquisadores elencam cinco pontos fundamentais para avançar na prevenção dos incêndios e na definição de estratégias eficazes de manejo. São eles:

1. Disponibilização de base de informações calcada em pesquisas científicas e com acesso a dados remotos em tempo real;
2. Desenvolvimento do manejo do fogo de forma integrada com outros campos de políticas – especialmente aquelas relacionadas à posse e manejo da terra – e de acordo com a agenda de mudanças climáticas, contando com fiscalização eficiente e combate aos incêndios ilegais, assim como incentivo à adoção de técnicas alternativas aos incêndios pelos usuários da terra;
3. Manutenção das agências governamentais devidamente equipadas e treinadas para a atuação, inclusive com a implementação de sistemas de monitoramento e programas de capacitação local;
4. Definição de uma agenda de pesquisa nacional integrando diferentes áreas do conhecimento para o desenvolvimento de paisagens que sejam mais resistentes ao fogo; e
5. Educação e divulgação envolvendo todos os profissionais que lidam com a conservação de recursos naturais e manejo do fogo para fomentar um entendimento mais profundo sobre seu papel nos diferentes ambientes.

Fonte: Jornal da Universidade, UFRGS.

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