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Ciências Biológicas

Miniestação ecológica permite produção integrada de peixes e plantas ornamentais

Pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP) desenvolveram uma miniestação para tratamento de efluentes de viveiros escavados e que ainda produz flores. Chamada de Jardim Aquícola, ela trata esses efluentes que contêm excrementos de peixe, restos de ração não consumida, algas e micro-organismos, e reaproveita os nutrientes na água para a produção comercial de plantas ornamentais, como os copos-de-leite (Zantedeschia aethiopica). Originário da África do Sul, o copo-de-leite é a segunda planta ornamental mais exportada pelo Brasil e conta com uma demanda mundial crescente, sendo capaz de contribuir para a sustentabilidade econômica da tecnologia.

O Jardim Aquícola se destaca dos métodos convencionais por apresentar custos de construção e operação relativamente baixos, fácil manutenção, baixo consumo de energia, além de dispensar a necessidade de produtos químicos e reduzir a matéria orgânica dissolvida e em suspensão. A água tratada pode ser reutilizada para diversas atividades (possibilitando a produção integrada de peixes e plantas ornamentais, por exemplo). A tecnologia ainda reduz a pegada hídrica da piscicultura, que é o volume total de água-doce utilizada no ciclo completo de produção.

“A combinação de processos físicos e biológicos que compõe o sistema de tratamento possibilita uma melhoria acentuada na qualidade da água a ser tratada, sem a utilização de produtos químicos. Possibilita ainda o reuso da água tratada nos próprios tanques de produção, auxiliando o uso racional do recurso natural”, detalha o pesquisador Wilson Tadeu Lopes da Silva, à frente do projeto. O estudo contou com a participação de estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

À procura de parceria

Com os resultados promissores obtidos pelo experimento, a tecnologia entra na fase de prospecção de um parceiro para a aceleração e finalização do desenvolvimento da solução para posterior produção e exploração comercial.

Qualidade da água é fundamental

Em sistemas de aquicultura intensiva, os tanques de produção são povoados com grandes quantidades de peixes que são alimentados com ração. Se o manejo e o arraçoamento dos peixes não forem realizados de maneira correta, pode resultar em problemas ambientais, como o aumento de resíduos orgânicos e eutrofização. Esse fenômeno ocorre devido ao aumento de nutrientes, em especial fósforo e nitrogênio, que estimula a produção primária do ambiente, pela multiplicação de micro-organismos como algas e cianobactérias no ambiente aquático.

Se o manejo não for adequado, a água descartada do tanque escavado, sem tratamento, pode ser um problema da produção de peixes, porque é rica em matéria orgânica que, ao ser lançada em um rio, pode reduzir a disponibilidade de oxigênio da água e levar à redução das taxas de crescimento ou à mortalidade de peixes nativos daquele corpo d’água. Além disso, à medida que se descarta água rica em matéria orgânica e sem o devido tratamento, mais pressão é gerada nas fontes de abastecimento.

A proposta do Jardim Aquícola vai ao encontro das recomendações preconizadas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de que a adoção de boas práticas na criação de peixes evita impactos ambientais. O reúso da água é uma delas.

Inspirado na natureza

O desenvolvimento do Jardim Aquícola é um desdobramento do Jardim Filtrante, tecnologia também baseada em áreas alagadas e destinada ao saneamento básico rural, especificamente no tratamento das chamadas águas cinzas: esgoto residencial oriundo de pia, banheiro e tanques.

Segundo Wilson Tadeu, a ideia básica era desenvolver uma solução para possibilitar o tratamento da água de tanques de peixes de maneira simples. Como já conhecia bem o funcionamento do Jardim Filtrante, adaptado por ele para permitir o reúso da água, se tornou natural a proposta de utilizar a tecnologia de tratamento de efluentes da piscicultura.

“A utilização de plantas para o tratamento dos efluentes é essencial para o funcionamento do jardim, pois as raízes das macrófitas proporcionam uma superfície para que os filmes microbianos, principais responsáveis pelo tratamento, possam se estabelecer”, esclarece o pesquisador.

A implementação do projeto teve início em 2018 e entrou em operação em agosto do ano seguinte no sítio São João, localizado na Bacia do Ribeirão Feijão, responsável por cerca de 30% do abastecimento de água da população de São Carlos (SP), a cerca de 20 quilômetros da propriedade.

Trata-se de um sistema do tipo área alagada construída (wetland) para tratamento de efluente oriundo do tanque de piscicultura. No sistema-piloto instalado, a vazão máxima é de 400 litros por hora, mas o pesquisador comenta que geralmente a vazão é menor, cerca de 300 litros horários, para aumentar um pouco mais o tempo médio de tratamento, que é de aproximadamente dez horas, e, consequentemente, proporcionar maior eficiência no processo.

Como o Jardim Aquícola funciona?

O tratamento é realizado com fluxo contínuo vertical e subsuperficial distribuídos em três caixas retentoras, instaladas com um desnível mínimo entre elas, por onde passa o efluente do tanque de piscicultura.

Wilson Tadeu explica que as caixas, construídas em madeira e impermeabilizadas com geomembrana, são preenchidas com argila expandida e saturada com água. Sob os leitos, são plantadas mudas de copos-de-leite, planta aquática que auxilia na melhoria da qualidade da água. Para proteger e melhorar o desenvolvimento das plantas, o Jardim Aquícola recebeu uma cobertura com sombrite.

De acordo com o pesquisador, o efluente do lago é coletado por uma tubulação pela qual é bombeado e direcionado a um reservatório de 10 mil litros, que armazena a água a ser tratada e mantém um fluxo constante. Com a declividade do terreno e a pressão da água armazenada, o efluente é direcionado para a primeira caixa do jardim, passando por todas elas em série.

“Após sair da terceira caixa, a água tratada é oxigenada por um sistema natural, composto por cascatas em forma de degraus sucessivos. Por último, pela gravidade, a água tratada e oxigenada retorna, então, para o tanque escavado de produção de peixes”, relata o pesquisador.

Foto: Joana Silva

Mais de 3,5 mil m3 de água reutilizados

O cultivo de tilápias em tanque escavado é uma das atividades desenvolvidas no sítio São João, onde em 14 hectares, a propriedade administrada pela família de Flávio e Ilso Marchesin também produz hortifrútis. O experimento de Jardim Aquícola é realizado em um dos tanques escavados, com cerca de duas mil tilápias em aproximadamente 600 m³, impermeabilizado com membranas de policloreto de vinila, conhecido como PVC.

O tratamento e reúso de mais de 3,5 mil m3 de água, registrado por meio de um hidrômetro instalado na entrada do sistema, é visto por Marchesin como um ganho significativo, principalmente para o meio ambiente. “O maior benefício do Jardim Aquícola é o consumo racional do recurso hídrico. A gente deixa de usar muita água do rio, de mananciais e preserva os recursos naturais”, diz o piscicultor que, a partir da entrada em operação do Jardim Aquícola, está apenas repondo a água que evapora do sistema.

Os resultados laboratoriais obtidos após análises dos principais parâmetros indicativos da qualidade da água, como turbidez, temperatura, oxigênio dissolvido, pH, amônio e demanda bioquímica de oxigênio, apontam o Jardim Aquícola como uma ferramenta promissora no tratamento de efluentes da piscicultura.

Os empreendimentos envolvendo a pisciculturas necessitam de licenciamento ambiental e, às vezes, da outorga de direito de uso de recursos hídricos, conforme impacto ambiental, da implementação de mecanismos de tratamento e controle de efluentes ao atendimento dos padrões legais ambientais.

Por isso, o monitoramento da qualidade da água nesses empreendimentos aquícolas deve ser frequente e pode se basear nos parâmetros disponíveis na publicação Recomendações práticas para avaliação da qualidade da água na produção de tilápia em tanques-rede, do pesquisador Júlio Ferraz Queiroz e colaboradores, da Embrapa Meio Ambiente (SP). Embora a circular trate de recomendações para tanques-rede, os parâmetros são os mesmos para tanque escavado.

Foto: Joana Silva

Versatilidade do sistema

Wilson Tadeu lembra que é possível dimensionar o projeto, conforme a necessidade de diferentes empreendimentos e de produção do pescado. Mas o tamanho máximo a ser utilizado, além do volume que se pretende tratar, vai depender da área disponível para construção, dos materiais e custos de construção e gestão, do tipo de peixe em produção, bem como do potencial de venda das plantas.

Para o sistema-piloto instalado no sítio São João, o custo ficou em aproximadamente R$ 12 mil, mas o pesquisador explica que os gastos com um projeto experimental são sempre maiores do que aqueles implementados em escala comercial, mantidas as devidas proporções, já que todos os materiais foram adquiridos na sua maioria em lojas locais, em pequena quantidade e em momentos diferentes, além das diversas análises realizadas.

No entanto, as vantagens são muitas para o piscicultor reduzir gastos e ainda gerar renda com a produção de plantas ornamentais. Entre elas estão a eficiência no tratamento, com a possibilidade de reúso da água tratada no próprio tanque de produção de peixes, baixo custo energético, sendo necessário somente o uso de uma bomba hidráulica para fazer a circulação da água, simplicidade construtiva, baixo custo de instalação, com o uso de materiais facilmente encontrados no comércio local.

Outra vantagem apontada pelo pesquisador é o fato de que para o reúso da água, o Jardim Aquícola foi projetado de forma a receber um sistema de oxigenação da água tratada bastante simplificado, na forma de pequenas quedas d´água em série, uma espécie de cascata.

O pesquisador explica que em tanques de piscicultura, com o aumento da concentração de nutrientes na água, ocorre a aceleração da produtividade de algas e o crescimento da produção orgânica, resultando na elevação da biomassa de fitoplâncton – organismos aquáticos microscópios – e, consequentemente, na diminuição da penetração de luz.

“Com isso, a taxa de decomposição da matéria orgânica e o consumo de oxigênio dissolvido pelos peixes podem resultar no aumento da concentração de metano e gás sulfídrico no meio. Nessa fase, pode-se ter maior produção de matéria orgânica do que o sistema consegue consumir e decompor, gerando fortes mudanças no metabolismo do ecossistema e nas concentrações de oxigênio dissolvido nas camadas superiores, o que oferece altos riscos aos peixes”, diz o pesquisador.

Segundo ele, o oxigênio dissolvido é uma das variáveis mais importantes para a piscicultura e para sistemas hídricos. “Por isso, o problema da deficiência de oxigênio dissolvido em tanques de criação de peixes de água-doce se apresenta como uma grande ameaça e um dos fatores limitantes da aquicultura intensiva, porque o esgotamento do oxigênio dissolvido compromete o crescimento e a produção dos peixes”, explica o pesquisador.

Piscicultura em franco crescimento

Destinada à cadeia produtiva da piscicultura, em franco crescimento no Brasil (aumento de 123% nos últimos dez anos, fonte de geração de renda e de cerca de um milhão de empregos diretos e indiretos), a solução tecnológica acompanha a necessidade de inovações para ampliar a cadeia aquícola brasileira.

Segundo o Anuário 2020 da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), o pescado como um todo exportou US$ 275 milhões no ano passado. Entre 2015 e 2019, as exportações da piscicultura brasileira apresentaram crescimento de 833%, passando de 701 para 6,5 mil toneladas. São 110.072 propriedades produtoras no País, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017.

Os peixes de cultivo e seus derivados exportados pelo Brasil têm como principais destinos os Estados Unidos, o Japão e a China. Apesar de importar volume menor em toneladas comparado com o Japão e a China, os Estados Unidos representam o maior valor de importações em dólar por comprar principalmente filé de tilápia fresco, que possui alto valor agregado.

Estudo realizado por pesquisadores da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO) mostrou que a chegada de novas empresas, rápida profissionalização e intensificação tecnológica foram alguns dos fatores observados na aquicultura brasileira, que de 2005 a 2015 passou da produção de 257 mil para 574 mil toneladas de pescado nesse período.

Dados do Anuário 2020 da Peixe BR mostram que a piscicultura brasileira em 2019 avançou 4,9% e chegou a 758 mil toneladas. O Brasil ocupaa posição de 4o maior produtor de tilápia do mundo. A espécie já representa 57% da produção nacional. Os peixes nativos mantêm-se fortes, com 38%, e as demais espécies participam com 5%.

Em 2020, o Brasil atingiu uma receita de cerca de R$ 8 bilhões. Nos últimos seis anos, período de levantamento de dados da Peixe BR, a produção de peixes de cultivo saltou 38,7% no País, passando de 578.800 toneladas em 2014 para 802.930 toneladas em 2020.

Em dois anos, duas tecnologias

O Jardim Aquícola é mais uma contribuição da Embrapa Instrumentação ao projeto BRS Aqua. Em 2019, o centro de pesquisa já havia desenvolvido, dentro do conceito de inovação aberta, em parceria com a startup paulista Acqua Nativa, a Sonda Acqua Probe.

A tecnologia é capaz de aferir em tempo real e de forma remota as propriedades da água de viveiros destinados ao cultivo de organismos aquáticos, como peixes e crustáceos. A sonda está ajudando piscicultores a melhorar o processo produtivo, com análises da qualidade da água, suas propriedades físicas, químicas e biológicas, e já é adotada inclusive no Paraná, líder na produção de pescado.

Líder do plano de ação envolvendo as soluções tecnológicas da Embrapa Instrumentação dentro do BRS Aqua, a pesquisadora Débora Milori acredita que, diante do cenário atual com as mudanças climáticas, cada vez mais reais, toda tecnologia que venha a contribuir para o desenvolvimento sustentável é extremamente importante. “O Jardim Aquícola une sustentabilidade ambiental e econômica, então, é um resultado que agrega valor ao produtor rural, à cadeia aquícola e à sociedade”, avalia a chefe do setor de Transferência e Tecnologia.

O BRS Aqua, liderado pela Embrapa Pesca e Aquicultura, tem como objetivo fortalecer a infraestrutura de pesquisa Embrapa, gerar e transferir tecnologias que promovam o desenvolvimento da aquicultura brasileira com foco primordial na inovação, contribuindo para o incremento da produção e proporcionando aumento da competitividade e sustentabilidade da cadeia nacional do pescado. É o maior projeto da Embrapa, envolve 22 centros de pesquisa da Empresa, e é financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP-Mapa), pela própria Embrapa e conta com a parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

De acordo com Lícia Lundstedt, líder do projeto, no BRS Aqua estão previstos mais de 100 produtos tecnológicos nas diferentes temáticas da aquicultura como nutrição, sanidade, manejo e gestão ambiental, germopolasma, tecnologia do pescado, economia a transferência de tecnologia. Ainda em fase de execução, alguns produtos já foram lançados em suas versões iniciais, outros já foram inclusive licenciados e estão contribuindo para o desenvolvimento do setor aquícola.

Como exemplo, estão os produtos desenvolvidos pela Embrapa Instrumentação, como a sonda multiparâmetros com tecnologia nacional, e o próprio Jardim Aquícola. “Esses produtos contribuirão diretamente para o manejo e gestão ambiental da aquicultura. A propósito, é necessário destacar que o produtor de peixes é o maior interessado em manter a alta qualidade de água, pois a produtividade e, consequentemente, o retorno dos investimentos, são relacionados ao bem-estar e ao crescimento dos peixes, que por sua vez estão diretamente relacionados com a qualidade da água”, diz Lundstedt.

Fonte: Joana Silva, Embrapa Instrumentação.

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