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Ciências Biológicas

Estudo comprova que nações ricas dependem da biodiversidade de países em desenvolvimento

A relação histórica de exportação e importação de produtos agrícolas entre países em desenvolvimento e desenvolvidos é bastante conhecida: os primeiros exportam commodities para os segundos e estes vendem de volta produtos industrializados. O que não se sabia, e agora se sabe cientificamente, é que esse mesmo fluxo ocorre quando o foco é a contribuição dos polinizadores para o comércio de produtos agrícolas no mercado internacional.

O tema foi objeto de estudo do egresso do doutorado em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília Felipe Deodato, cuja tese versou sobre os Desafios para o uso sustentável da polinização na agricultura. Ali, ele tratou do benefício econômico do uso do serviço ecossistêmico da polinização, bem como dos custos associados ao seu manejo e das estratégias de proteção aos polinizadores em diferentes escalas.

Agora, a pesquisa, considerada Melhor Tese na área Multidisciplinar do Prêmio UnB de Dissertação e Tese 2018 e 2019, se desdobrou em um artigo científico escrito por Deodato; por seu orientador, professor Frédéric Mertens, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (CDS); e por sua coorientadora, professora Luísa Carvalheiro, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O trio tem formação nas áreas de Economia, Ecologia e Ciências Ambientais, e Ciências Sociais, respectivamente.

Publicado recentemente na revista Science Advances, o trabalho avaliou a contribuição dos polinizadores para os fluxos de produtos agrícolas no mercado internacional e mostrou a importância da conservação da biodiversidade para os padrões de consumo globais.

“Sou economista e queria trazer uma abordagem socioeconômica para essa temática da polinização. Estudei desde o nível local, na propriedade agrícola, até níveis mais elevados, como as escalas nacional e global. Na época, já existiam estudos nestas escalas, mas buscavam avaliar quanto a polinização contribuía para a produção agrícola. Mas quando se negligencia de alguma maneira o comércio, se está negligenciando a distribuição do beneficio da polinização em nível global”, analisa Felipe Deodato.

Luísa Carvalheiro e Felipe Deodato usam tela para isolar pés de feijão no Distrito Federal e comparar produtividade com e sem a ação de polinizadores. Foto: Arquivo pessoal do pesquisador

“Foi buscando preencher essa lacuna que olhamos para o comércio. Demos um passo à frente nessa temática em nível global quando começamos a mensurar quanto a polinização contribui não só para a produção, mas também para as exportações entre os países”, afirma o egresso, que hoje é docente no Instituto Federal de Mato Grosso.

Segundo o estudo, mais de 50% da diversidade de produtos agrícolas comercializados internacionalmente dependem da polinização. Para quantificar a relevância da polinização biótica para o consumo mundial de produtos agrícolas, o artigo apresenta o conceito de fluxo virtual de polinização, que indica, em toneladas, a proporção da exportação agrícola de um país com ação direta dos polinizadores.

Por exemplo, se um país A exportou cem toneladas de produtos agrícolas para o país B, e a polinização contribuiu para 20% da produção agrícola exportada pelo país A, o fluxo virtual de polinização entre os dois é de 20 toneladas.

“Por meio da análise dos fluxos virtuais globais de polinização, a pesquisa mostrou que o consumo de produtos agrícolas pelos países mais desenvolvidos é extremamente dependente dos serviços de polinização agrícola dos países em desenvolvimento. Por exemplo, no caso do Brasil, os serviços de polinização contribuem para produtos agrícolas em grande parte exportados para Europa e Estados Unidos, principalmente devido à exportação de café, soja, laranja, maçã, melancia, manga, abacate, entre outros”, declara Felipe Deodato.

Seu orientador no doutorado e coautor do artigo, professor Frédéric Mertens, explica que o fato de a produção agrícola mundial estar cada vez mais dependente dos polinizadores significa que globalmente a produção dos cultivos beneficiados pelos serviços de polinização aumenta mais rapidamente que a daqueles que não dependem disso. Esta tendência, segundo o docente da UnB, responde a uma demanda internacional crescente pelos produtos agrícolas que dependem da polinização e à subida dos seus preços no mercado internacional.

CÍRCULO VICIOSO – Na publicação os pesquisadores alertam, no entanto, que apesar de o cenário parecer positivo, o que se observa é a insustentabilidade do modelo atual de produção agrícola global.

A professora da UFG e também coautora Luísa Carvalheiro destaca que “a diminuição da produtividade dos campos agrícolas, causada pela perda de serviços ecossistêmicos como a polinização, acaba por estimular ainda mais a expansão agrícola, e, desta forma, entramos em um ciclo vicioso prejudicial tanto para a biodiversidade como para os produtores rurais”.

Frédéric Mertens complementa: “O aspecto chave é que este aumento de produção, especialmente em regiões tropicais, está frequentemente viabilizado por meio da expansão das áreas agrícolas, inclusive pela substituição de áreas de ecossistemas nativos, levando, assim, à diminuição da biodiversidade e ao declínio dos polinizadores”.

Segundo ele, é assim que nasce o círculo vicioso mencionado por Luísa Carvalheiro. “A expansão agrícola leva ao declínio dos polinizadores; a diminuição dos serviços de polinização reduz a produtividade dos campos agrícolas; a busca por aumentos de produção leva a mais expansão agrícola”, resume o docente do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB.

Setas coloridas mostram os fluxos virtuais de polinização (comércio virtual do serviço de polinização) entre os países. Na escala, quanto mais próxima do azul, a cor indica fluxos mais intensos e maior valor (em toneladas) do serviço de polinização. Foto: Divulgação

CAMINHOS – A pesquisa revelou a necessidade de serem desenvolvidas estratégias de governança colaborativa global, para além dos princípios da economia de livre mercado, no intuito de alcançar sinergias entre o comércio internacional de produtos agrícolas, a conservação da biodiversidade e a justiça social.

Além da importância de informar a sociedade – acadêmicos, gestores, população em geral – para que seja possível gerar propostas de ação, o trio de autores também aponta iniciativas, programas e políticas que visam diminuir o declínio dos polinizadores e a possibilidade de desenvolver medidas de intensificação ecológica na produção agrícola.

“Por mais que alguns programas sejam iniciativas internacionais, a responsabilidade pela implementação das medidas de manutenção dos serviços de polinização e as cobranças pela efetividade destas medidas recaem sobre as regiões e países produtores, especialmente aqueles cuja produção agrícola depende dos polinizadores”, ressalta Mertens.

A análise dos fluxos virtuais de polinização associados ao comércio internacional de produtos agrícolas chamou a atenção dos pesquisadores para a necessidade de considerar também o papel e a responsabilidade dos países consumidores, que usufruem dos serviços prestados pela biodiversidade dos países produtores.

“A relevância de abordar a questão da corresponsabilidade entre países produtores e consumidores, quanto ao declínio dos polinizadores e quanto ao desenvolvimento de medidas visando o aumento da provisão dos serviços de polinização, fica exacerbada pela tendência global dos fluxos virtuais de polinização dos países em desenvolvimento para os países mais desenvolvidos”, declara o professor.

Os fluxos virtuais de polinização entre os países podem ser visualizados por meio de ferramenta on-line disponível neste link. O estudo de Felipe Deodato, Frédéric Mertens e Luísa Carvalheiro contou com a participação de Karlo Guidoni-Martins (UFG), de J. Aguirre-Gutiérrez (Universidade de Oxford, no Reino Unido) e de Marc Lucotte (Universidade do Quebec em Montreal, no Canadá) e com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fonte: Secom UnB.

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