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Ciências Biológicas

Consequências de pesticidas são mais dramáticas para as abelhas tropicais

A polinização é um processo fundamental para a reprodução das plantas, influenciando diretamente no equilíbrio ambiental e na produção agrícola. Mesmo assim, o Brasil ainda tem pouco conhecimento do efeito de agrotóxicos sobre seus principais agentes polinizadores – organismos responsáveis por levar o grão de pólen até o local onde está o gameta feminino, o que resulta na formação de frutos e sementes. É o caso de espécies nativas de abelhas sem ferrão que, segundo recente publicação na revista Science of The Total Environment, sofrem mais que as abelhas europeias quando expostas a pesticidas.

A informação vem de estudo inédito no Brasil em que foram testadas as habilidades inatas desses polinizadores para encontrar alimentos. Responsável pela pesquisa, o cientista João Marcelo Robazzi Bignelli Valente Aguiar, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, avaliou o comportamento de abelhas sem ferrão e de africanizadas, após exposição ao imidacloprido, o agrotóxico mais utilizado no mundo. Como resultado, verificou-se que o produto prejudica a capacidade de aprendizagem e memória das duas espécies, mas com consequências “mais dramáticas para as sem ferrão”.

Para o estudo, Aguiar escolheu a Melipona quadrifasciata, mais comum em regiões da Mata Atlântica. Além da importância para os ecossistemas em que está presente, a Melipona é responsável pela polinização de várias culturas, como a do café. Com fins de comparação, o pesquisador testou também os efeitos do imidacloprido sobre a abelha africanizada Apis mellifera, híbrida de europeias com africanas, muito importante para toda a produção agrícola nacional. As africanizadas foram a escolha de base para comparação também por pertencerem à mesma espécie das abelhas europeias, para as quais existem vários estudos mostrando os efeitos deste agrotóxico.

A pesquisa, realizada no Laboratório de Comportamento e Ecologia de Insetos Sociais do Departamento de Biologia da FFCLRP, mostra que o efeito do agrotóxico foi mais acentuado nas abelhas sem ferrão. Quando expostas ao pesticida, “elas vão parando de responder a esse efeito inato de estender a probóscide (a língua deste inseto); o que já vinha programado no cérebro delas desde que nasceram foi parando de funcionar”, alerta João Marcelo Aguiar.

Com relação ao que já se sabe sobre o efeito do imidacloprido sobre outras abelhas sem ferrão (bem pouco, segundo o pesquisador), é bem parecido com o que foi encontrado agora. E quanto às abelhas europeias e africanizadas, o mesmo efeito tóxico ocorre, porém com impacto menor. Aguiar acredita que essas espécies sejam um pouco mais resistentes, mas “elas também sofrem bastante com o agrotóxico com relação às suas capacidades cognitivas e de comportamento inato”, enfatiza.

O cientista conta que os estudos que testam memória e aprendizado em abelhas geralmente são realizados com a espécie Apis mellifera, principalmente nos países europeus e de clima temperado, “onde já se tem mais avanços científicos e tecnológicos” para a proteção contra os pesticidas das lavouras. Quanto às abelhas nativas brasileiras, o professor diz que este é um dos primeiros estudos.

O nome do método usado para testar memória e aprendizado das abelhas é resposta de extensão de probóscide. Aguiar ensina que, ao ser tocada com água e açúcar na antena, a abelha responde estendendo sua probóscide. Esta é uma resposta inata, “algo que já vem pré-programado no cérebro dela”, afirma.

Para o teste, os pesquisadores treinam as abelhas através do condicionamento olfativo de resposta: apresentam um odor e logo em seguida tocam sua antena com água com açúcar para ver se ela estende a probóscide. Segundo o professor, depois de algumas repetições do processo, a abelha associa aquele odor com a presença de açúcar e estende a língua, mesmo na ausência do açúcar, o que quer dizer que “ela aprendeu a associar o odor com a presença de alimento; foi condicionada olfativamente.”

O treinamento, adianta João Marcelo Aguiar, é parecido com o que é realizado com um cachorro, por exemplo; só que ao invés das palavras senhas (senta, pula) para ganhar comida, os pesquisadores usam cheiros. E, para ter certeza que as abelhas conseguem aprender, em seu estudo Aguiar apresentou dois odores diferentes, o linalol e o geraniol, relacionando-os ou não com a dose de sacarose. Esses odores em específico foram escolhidos por estarem presentes em flores de plantas.

Antes do treinamento e da comprovação de que haviam aprendido a forma de obter comida, os insetos foram expostos a diferentes dosagens do imidacloprido. E a cada concentração maior do pesticida, “tanto a Melipona quanto as africanizadas perdiam a capacidade de aprendizado”, informa o professor.

Imidacloprido tem uso indiscriminado no Brasil

O desaparecimento de abelhas virou preocupação global há alguns anos e tem como potencial vilão os agrotóxicos. O imidacloprido pertence a um grupo de pesticidas chamado neonicotinoides, que, segundo João Marcelo Aguiar, são considerados muito agressivos e já estão praticamente banidos dos países europeus de clima temperado. E são agressivos “não só com as pragas que querem eliminar, mas com os insetos em geral: as abelhas e borboletas que ocorrem naturalmente na área”.

As informações sobre o agrotóxico nas abelhas nativas brasileiras são consideradas importantes, avalia o pesquisador, porque esses neonicotinoides são utilizados de forma indiscriminada nas lavouras do País. E os resultados que encontrou devem ser considerados para os cuidados com esse uso, “principalmente dos neonicotinoides, como o imidacloprido”, alerta.

O pesquisador acredita que seu estudo possa contribuir para mostrar o efeito nocivo do produto sobre as abelhas nativas do Brasil e orientar para maior controle sobre a entrada de agrotóxicos no País, exigindo testes toxicológicos para proteger sua fauna. A política mais importante a ser adotada, opina, deve ser a revisão de todos os agrotóxicos liberados para uso em solo nacional, com restrição de uso ao máximo, principalmente quando estudos científicos tenham identificado efeito tóxico na fauna nativa.

João Marcelo Aguiar reconhece a importância econômica da agricultura para o Brasil e de que esta é uma pauta difícil, mas defende a necessidade de atender também ao bem-estar ambiental e social, levando em conta um cenário global em que “esses agrotóxicos podem afetar o ecossistema onde são aplicados”.

Mais informações: e-mail jmrobazzi@gmail.com, com João Marcelo Aguiar

Fonte: Rita Stella – Jornal da USP

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