180 anos de investigações botânicas na Antártica e o papel do Brasil
A Antártica é largamente desconhecida por grande parte dos brasileiros, incluindo sua comunidade científica, mas o Brasil é um dos 29 países a desenvolverem pesquisas botânicas na Antártica. Sua área, de cerca de 14 milhões de quilômetros quadrados, inclui todas as terras e oceano acima da latitude de 60ºS. O continente compreende cerca de 8% da superfície da Terra, embora apenas 0,2% dessa área seja atualmente livre de gelo. Conforme observado pelos pesquisadores da Universidade de Brasília e do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), caberiam por volta de três bacias amazônicas, além do que cerca de 70% da água doce do mundo está contida na região na forma de gelo.
A região tem uma história humana relativamente curta. A Península Antártica só foi descoberta no início do século 19 e o corpo principal do continente apenas no final do mesmo século. A Antártica hoje não faz parte de nenhum território nacional, sendo regida pelo Tratado da Antártica, um tratado internacional que foi negociado em 1959, tendo entrado em vigor em 1961. Sob o Tratado da Antártica, a Antártica é definida como um continente exclusivamente dedicado a fins pacíficos e, em particular, científicos.
No ano de 1983, foi criado o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). O PROANTAR garante a posição do Brasil entre os países que fornecem a governança a todo o continente, o que inevitavelmente inclui decisões que afetam a proteção atual e futura e o uso de seus recursos, principalmente suas reservas de água doce e potenciais recursos minerais.
Ainda na mesma década, o Brasil construiu, em 1984, sua primeira estação antártica. No entanto, em fevereiro de 2012, foi quase totalmente destruída devido a um incêndio que atingiu o local, com a perda de duas vidas. Quase imediatamente após este trágico incidente, os planos para uma nova estação foram iniciados e, em janeiro de 2020, uma estação completamente nova foi inaugurada. Seus prédios ocupam uma área de 4.500 m2 e a estação pode acomodar até 64 pessoas, incluindo equipe de 16 pessoas da Marinha, responsáveis pelo funcionamento da estação, e 48 cientistas.
A construção contém 14 laboratórios totalmente equipados, incluindo laboratórios dedicados à biologia molecular, microbiologia, química, uso múltiplo e microscopia, com duas salas menores para uso geral e uma dedicada a estudos sobre potenciais patógenos humanos. O prédio também contém laboratórios úmidos, equipados com tanques apropriados para estudos de organismos como algas, invertebrados aquáticos ou peixes. Há também três módulos externos que também funcionam como laboratórios, dedicados à meteorologia, estudos da atmosfera superior e estudos de sedimentos.
Entre 1984 e 1991, a ciência brasileira na Antártica foi financiada e diretamente apoiada pela Marinha do Brasil. Em seguida, a partir de 1991, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) assume a responsabilidade pelo financiamento da ciência na Antártica, enquanto a Marinha continua fornecendo o apoio logístico.
Atualmente, cerca de 116 espécies de Bryophyta e 26 espécies de Marchantiophyta são reconhecidas daquela região, além de cerca de 500 espécies de líquens. Como em muitos campos de pesquisa de diversidade, esses números provavelmente aumentarão com a aplicação de técnicas filogenéticas moleculares modernas, levando ao reconhecimento de diversidade críptica potencialmente considerável.
Cabe destacar, como observado pelos autores, que a Antártica vem atraindo cada vez mais interesse em campos biotecnológicos mais aplicados, com pistas muito promissoras em bioprospecção, na tentativa de descobrir novos produtos como medicamentos, cosméticos, enzimas e bioquímicos.
A maioria das coleções históricas de plantas antárticas está atualmente alojada nos herbários da Bélgica, Reino Unido, França e Estados Unidos. Na América Latina, as principais coleções estão no Brasil, com cerca de 7.000 exemplares da Antártica, sendo também estas algumas das mais recentes até hoje.
Em 2013, o PROANTAR financiou, pela primeira vez, um projeto sistemático, filogenético e taxonômico totalmente dedicado à botânica antártica. Sob os auspícios deste primeiro projeto dedicado, três teses de mestrado e uma de doutorado foram concluídas, enquanto muitos alunos de graduação foram expostos e encorajados em se envolver com ciência polar. Além disso, programas de extensão trouxeram a ciência polar para as escolas, expondo crianças em idade escolar do ensino fundamental e médio e seus professores aos principais desafios e preocupações levantados pela pesquisa da Antártica e associados ao futuro do planeta. Com todas essas informações que podem ser conferidas no artigo de Câmara e Carvalho-Silva, fica clara a importância da presença do Brasil no desenvolvimento de pesquisas na região.
Leia o artigo completo. Acesse: doi.org/10.1590/0102-33062020abb0172.