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Ciências Agrárias

Soja brasileira exportada para alimentar gado europeu afeta reciclagem do nitrogênio

A União Europeia enfrenta uma grave crise ambiental com altas taxas de emissão de nitrogênio e a acidificação de seus ecossistemas. As preocupações se voltam para a atividade pecuária, que é responsável por 17% das emissões de gases de efeito estufa do bloco. Dentro desse cenário, pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP estudaram os impactos gerados pelo aumento da exportação da soja brasileira para a alimentação da pecuária europeia e alertam para os perigos da sobrecarga do ciclo do nitrogênio em nosso próprio território.

O nitrogênio está presente em 78% da atmosfera terrestre e é essencial para a vida humana e para a nutrição e crescimento das plantas, que precisam dele para se desenvolver. Além disso, é um nutriente utilizado por vários organismos, sendo necessário para formar proteínas, ácidos nucleicos e outros componentes da célula. O ciclo do nitrogênio, por sua vez, é o processo que garante a reciclagem do elemento no meio ambiente, possibilitando que ele circule pela biosfera.

Porém, com a alta nas importações e exportações globais, esse ciclo sofreu sérias alterações. “Hoje o ciclo do nitrogênio não é um ciclo. Ele está desconectado, porque onde se produz nitrogênio não é onde se consome e não é onde se tem a excreção dele. Então as coisas não têm uma circularidade e isso aumenta, e muito, o impacto ambiental do elemento na natureza”, diz Vanessa Theodoro Rezende, autora do estudo, ao Jornal da USP.

Os cientistas elaboraram um cálculo para quantificar o nitrogênio lançado no meio ambiente durante o processo de exportação da soja. “Criamos esse indicador para tentar mostrar o quanto deste gás se acumula em cada fase da cadeia de produção. Nós calculamos os índices ali no campo, depois a soja indo para a indústria e sendo transformada em farelo, óleo e resíduo. Também consideramos esse farelo de soja sendo consumido pelos animais na Europa e os dejetos produzidos por esses animais”, explica Vanessa. Foi analisado o acúmulo de nitrogênio desta cadeia ao longo de 12 anos.

A quebra do ciclo pela importação e exportação de commodities não é a única preocupação.

“O ciclo do nitrogênio é tão importante quanto o do carbono porque ele tem um potencial poluidor tão grande quanto o carbono, além da capacidade de produção de nitrogênio reativo”, ressalta Vanessa.

O nitrogênio reativo é formado quando as ligações moleculares do nitrogênio atmosférico (N2) são rompidas, tornando-se possível a reação com outras moléculas como o hidrogênio (H). Uma das formas conhecidas de nitrogênio reativo é a amônia (NH3), que pode se tornar tóxica em altas concentrações e contribuir para a acidificação do solo.

“Meu orientador, o professor Augusto Gameiro, fez o pós-doutorado na Europa, onde o nitrogênio já é um problema há muito tempo e onde existem muitos estudos sobre seus impactos ambientais. Durante a pesquisa, ele estudou os ciclos do nitrogênio, fósforo e potássio no sistema de produção de animais no Brasil e um dos resultados que ele achou é que a exportação podia ser um problema. Confirmamos essa hipótese no meu estudo”, conta a pesquisadora. De acordo com um relatório da Convenção do Ar da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Unece), existem riscos causados pela deposição de nitrogênio em mais de 50% dos ecossistemas da Europa.

Efeito cascata

No caso da exportação da soja brasileira, a problemática gira em torno da própria commodity. O grão é de uma planta leguminosa que trabalha durante a primeira fase do ciclo, a fixação, absorvendo nitrogênio atmosférico e o transformando em uma de suas formas reativas. Ao produzirmos a soja em larga escala com a utilização de fertilizantes, aumentamos a quantidade de nitrogênio reativo liberado, o que colabora para a cascata de nitrogênio – objeto de estudo da pesquisadora. “O efeito cascata ocorre quando uma molécula de nitrogênio reativo produzida aqui no Brasil na produção de soja vai se acumulando em nível local e chega a um determinado limite, passando para outro nível. Um efeito dominó é então desencadeado, indo desde determinada fazenda até o planeta todo”, explica Rezende. Com esse grau significativo de moléculas sendo produzidas, o planeta não tem capacidade para absorvê-las.

A pecuária em si também é uma atividade que colabora para a sobrecarga do ciclo, já que o esterco produzido pelos animais possui amônia. Assim, eles participam da etapa de amonização do processo, que pode ser responsável pela contaminação e acidificação do solo se feita em grande escala. Na Holanda, os impactos da poluição são sentidos de forma significativa, levando o governo a tomar medidas drásticas na tentativa de barrar a proliferação do nitrogênio. O país, que tem a suinocultura como uma das principais atividades econômicas, estimulou agricultores a reduzir a quantidade de porcos nos criadouros por meio de subsídios financeiros.

Impactos ambientais

Além da acidificação do solo vista na Holanda, é possível citar a diminuição da quantidade de oxigênio disponível na água e a emissão de óxido nitroso (um gás de efeito estufa com potencial poluidor 298 vezes maior que o dióxido de carbono) como outras implicações negativas da cascata de nitrogênio. “Como o Brasil ainda não chegou a esse nível de preocupação visto na Europa, nós ainda podemos fazer muita coisa. Temos que agir agora”, diz a pesquisadora.

A fim de mitigar os impactos ambientais gerados pela cadeia de produção de alimentos para animais, Vanessa destaca a retomada da circularidade do nitrogênio. “É muito importante que haja uma proximidade entre quem consome e quem produz. Ou seja, a gente tem que voltar à circularidade do nutriente para não dependermos tanto de ficar trazendo nitrogênio reativo, e que consigamos reciclar melhor os nutrientes do solo”, ela coloca.

Mais informações: e-mail vanessatrezende@usp.br, com Vanessa Theodoro Rezende.

Fonte: Camilla Almeida – Jornal da USP

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