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Com auxílio da ciência, indígenas de Rondônia conquistaram melhoria de renda e da qualidade de vida
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O apoio da pesquisa científica, da extensão rural e o impulso do setor privado proporcionaram o desenvolvimento social e econômico de pequenos cafeicultores da região das Matas de Rondônia, hoje produtores e exportadores de um café de alta qualidade. A agregação de valor conquistada transformou a vida desses pequenos produtores, entre os quais, grupos de sete etnias indígenas. O sucesso se resume em um termo conhecido hoje como inclusão socioprodutiva.
“Esse movimento é tão importante para o País que a Embrapa revisou o seu plano diretor para colocar a inclusão socioprodutiva entre as diretrizes dos nossos trabalhos”, declarou a diretora de Negócios da estatal, Ana Euler, durante a mesa redonda “Inclusão socioprodutiva: casos de sucesso e o papel da Embrapa na transformação de realidades”, realizada durante as comemorações do aniversário da empresa no dia 26 de abril.
O esforço para aprimorar o processo de produção e agregar valor ao grão surtiu resultados. “Antes, a gente plantava muita coisa, mas não dava para sustentar toda a família. Agora, só com o café a gente consegue manter todo mundo”, declarou Diná Suruí, cafeicultora da etnia Suruí que planta na região das Matas de Rondônia. Não é para menos, o rendimento mais do que triplicou com a melhoria do processo, de acordo com pesquisador da Embrapa Rondônia, Enrique Alves, que participou do projeto que transformou o café do estado. “Com o sistema anterior, eles vendiam o grão a atravessadores por cerca de metade do preço de mercado. Hoje, o café que eles produzem é vendido pelo dobro do que se paga no mercado, pois se trata de um produto especial”, relatou Alves.
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Café chegou há cinco décadas em Rondônia
Introduzido em Rondônia durante as décadas de 1970 e 1980, durante um processo de colonização do estado, cafés conilon trazidos, principalmente, do Espírito Santo foram os primeiros a serem plantados. Posteriormente, a Embrapa trouxe mudas de cultivares robusta desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), em Campinas (SP). Cutivadas próximas, as duas variedades sofreram uma polinização cruzada. O resultado foi uma planta híbrida, diferente das duas linhagens originais e adaptada às condições locais. No entanto, a qualidade desse novo material não era reconhecida pelos próprios produtores. “A Embrapa teve de nos convencer de que tínhamos um café de qualidade a ser trabalhado. Para isso, tínhamos de aprimorar o manejo”, contou Poliana Perrut, cafeicultora da mesma região e líder do movimento Mulheres do Café de Rondônia.
Em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), a pesquisa passou técnicas de plantio em harmonia com a floresta, os chamados sistemas agroflorestais e foram desenvolvidas técnicas de manejo para trabalhar com grãos especiais. Os cientistas ainda ajudaram a conquistar a denominação de origem Matas de Rondônia, exclusiva do grão produzido na região. E o café robusta amazônico, que sofria preconceito, gerou uma bebida de alta qualidade, com atributos até então só reconhecidos na variedade arábica. Com isso, a mudança na vida dos envolvidos foi brutal, de acordo com Perrut, “Em 2022, exportamos mil sacas de café e, em 2023, foram 102 mil sacas exportadas”, frisou a produtora ao revelar que o café das Matas de Rondônia chega a 13 países.
Indígenas da etnia Suruí também foram impactados pela elevação do nível de qualidade do grão. “Café não é da nossa cultura, mas adotamos de coração essa lavoura. Em 2019, começamos a trabalhar com café de qualidade o que mudou a nossa visão [de produção]”, relatou Diná Suruí cujo produto venceu o prêmio nacional de Melhor Café Indígena promovido pela empresa Três Corações, superando mais de 120 concorrentes.
O café deu tão certo que está fixando jovens na terra. As novas gerações estão continuando a lavoura dos pais, pois a agregação de valor conquistada viabilizou uma vida confortável no campo. “A Celesty Suruí, aqui presente, é uma produtora de 23 anos”, contou Perrut ao apresentar a primeira barista indígena do Brasil.
O trabalho mais recente da pesquisa comprovou que entre os anos de 2020 e 2023 a produção de café da Região das Matas de Rondônia aumentou sem avançar sobre a floresta. Demonstrando a sustentabilidade da atividade. “Isso nos leva ao próximo passo que a pesquisa vai dar: tecnologias de rastreabilidade a fim de atestar ao consumidor brasileiro e internacional que o café da região é sustentável”, anunciou Ana Euler.
Mesa redonda
Além da experiência de Rondônia, a mesa redonda contou com duas outras apresentações. O pesquisador Anderson Sevilha, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), contou sobre a experiência de transferência de tecnologia no âmbito do programa Bem Dioverso da Embrapa. E Fábio Faleiro, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados (DF), falou sobre a fruticultura como estratégia de inclusão socioprodutiva e desenvolvimento regional.
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