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Ciência e Tecnologia

Bagaço de caju é utilizado para produzir hidrogênio em processo inédito e sustentável; pesquisadores estudam projeto de biorrefinaria

O bagaço de caju, resíduo farto da agroindústria nordestina, tornou-se matéria-prima para produção de hidrogênio, em um processo inédito e de baixo custo desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Engenharia Química (DEQ) da Universidade Federal do Ceará. A equipe, que agora trabalha no aperfeiçoamento da tecnologia, projeta também a instalação de biorrefinarias a partir dessa biomassa vegetal, gerando não somente o citado combustível, mas ainda outros derivados por meio de uma rota “verde”.

O gás hidrogênio é considerado um combustível promissor de interesse estratégico, cuja consolidação é esperada para um futuro próximo, devido ao fato de ser um sistema energético seguro e sustentável. Com forte potencial econômico, sua queima gera até duas vezes mais energia do que a de combustíveis derivados do petróleo. Além disso, não emite gases poluentes durante sua combustão, como o dióxido de carbono (CO2), sendo, portanto, uma alternativa para se controlar as emissões de gases de efeito estufa, que aceleraram as mudanças climáticas.

Entretanto, a produção e o armazenamento do hidrogênio ainda exigem elevados investimentos financeiros. Atualmente, a principal maneira de produção do combustível é por meio da eletrólise, processo químico não espontâneo que requer alta demanda de água e energia. O novo método desenvolvido pelos pesquisadores pretende diminuir o gasto energético e o consumo de água através da produção biotecnológica desse gás por um processo mais sustentável.

Esse tipo de produção consiste na conversão microbiológica de água e substratos orgânicos em hidrogênio. As vantagens dessa escolha são a utilização de matérias-primas renováveis e o fato de o processo ser conduzido em temperatura ambiente e pressão atmosférica.

“A biomassa vegetal reduz os custos de produção por ser um subproduto de outra indústria, no caso, a indústria da castanha e suco do caju, sendo considerada uma matéria-prima de baixo custo e capaz de ser utilizada para produção de diversos produtos, entre eles o bio-hidrogênio (BioH2)”, explica Maria Valderez Ponte Rocha, professora do Departamento de Engenharia Química e uma das responsáveis pela pesquisa.

Já os custos do armazenamento do bagaço de caju são reduzidos após o pré-tratamento físico do material, pois ele pode ser estocado em condições ambientes, o que dispensa demanda de energia. “Além de reduzir o custo com a compra de matéria-prima mais onerosa, temos a destinação de um resíduo, pouco ou não aproveitado, valorizando a cadeia produtiva da agroindústria do caju no conceito de biorrefinaria, com o desenvolvimento de processos sustentáveis e com apelo social”, complementa a Profª Valderez Rocha. O apelo social ao qual a pesquisadora se refere está no estímulo às pequenas cooperativas para que coletem o pedúnculo de caju, geralmente descartado nas plantações, implicando mais oportunidades de trabalho.

A criação da tecnologia se deu no Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos (GPBIO), sediado no Departamento de Engenharia Química da UFC. Há 20 anos, o grupo conduz estudos que visam ao aproveitamento do bagaço de caju, desenvolvendo bioprodutos como o etanol, o ácido lático e o xilitol (adoçante com alto valor comercial). Os achados já foram publicados em periódicos de alto fator de impacto para a comunidade científica.

Em 2017, o grupo começou a pesquisar a possibilidade de produção de hidrogênio a partir dessa matéria-prima. Isso foi possível graças a uma parceria com a Universidade de Nápoles, que já desenvolvia trabalhos na produção de hidrogênio e células combustíveis, contando, portanto, com os equipamentos necessários para a atividade. A então pós-doutoranda Jouciane Silva realizou os experimentos usando o bagaço de caju na instituição italiana e, no ano seguinte, foi publicado o primeiro artigo sobre o assunto. Intitulado “Cashew apple bagasse as new feedstock for the hydrogen production using dark fermentation process” (“Bagaço de caju como nova matéria-prima para a produção de hidrogênio pelo processo de fermentação escura”), o estudo foi publicado no Journal of Biotechnology, através do qual se comprovou a viabilidade de obtenção do bio-hidrogênio pela referida biomassa.

Em 2022, após conquistar o Edital de Energias Renováveis da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), o GPBIO adquiriu equipamentos essenciais para dar continuidade às pesquisas no campo e, com isso, vem aprimorando a rota tecnológica criada, a partir da busca de melhores rendimentos e produtividade. Em junho deste ano, os pesquisadores apresentaram a tecnologia no 11º Congresso Mundial de Engenharia Química, realizado em Buenos Aires.

A PRODUÇÃO DO HIDROGÊNIO E AS BIORREFINARIAS

A produção do bio-hidrogênio a partir do bagaço do caju é realizada através do uso de bactérias. Os bagaços de caju adquiridos das empresas parceiras (Jandaia e Empresa Brasileira de Bebidas e Alimentos S/A – EBBA) são lavados, secados, triturados e armazenados. Após isso, é feito um processo chamado de hidrólise, no qual as moléculas das substâncias são quebradas na presença da água, obtendo um meio rico em glicose e xilose (açúcares importantes para o crescimento microbiano). Esse meio é usado no processo fermentativo, realizado em reatores que avaliam a influência da luminosidade, da agitação, das fontes de carbono e das espécies de bactérias utilizadas. Daí, são acompanhados o volume dos novos gases produzidos e sua composição, pois, além do hidrogênio, podem ser gerados outros gases.

Após o pré-tratamento físico, o bagaço de caju pode ser estocado em condições ambientes, o que dispensa demanda de energia (Foto: Divulgação)

A possibilidade de obtenção de outros produtos pelo bagaço de caju permite que os pesquisadores estudem a viabilidade de instalação de biorrefinarias. Assim como as refinarias de petróleo, que beneficiam esse óleo na fabricação de diversos derivados, como gasolina, lubrificantes, plásticos e asfalto, a biorrefinaria usaria uma mesma matéria-prima, o bagaço de caju, para a obtenção de inúmeros produtos.

“Já foi avaliado pelo GPBIO a utilização do bagaço de caju para produção de diferentes bioprodutos, como etanol; xilitol; nanocelulose; ácido lático, que por rota enzimática é capaz de gerar um bioplástico; o poliácido lático; e também a obtenção de lignina, que pode ser empregada como suporte enzimático, entre outras aplicações”, explica a Profª Valderez Rocha, acrescentando que a vantagem das biorrefinarias é a minimização da geração de poluentes e resíduos.

A pesquisadora adianta que o grupo planeja montar um projeto de análise técnica e econômica de biorrefinaria para a obtenção de combustíveis (etanol e hidrogênio) a partir do bagaço de caju. “A sua implementação visa à diminuição de custos, pois, a partir dela, é possível utilizar toda a matéria-prima, aproveitando ao máximo a sua composição”, garante.

Para que os planos se concretizem, contudo, o GPBIO busca encontrar parcerias privadas ou financiamento que incentivem a pesquisa. Nesse intento, o grupo tem se empenhado ativamente na participação de exposições promovidas pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), além de se envolver em projetos governamentais que estimulem os seus objetivos e propósitos.

“Essa área promete contribuições valiosas para a exploração de fontes renováveis de energia”, acredita a professora.

Fonte: Profª Maria Valderez Ponte Rocha, pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos (GPBIO), da UFC – e-mail: valderez.rocha@ufc.br.

Fonte: Sérgio de Sousa, da Agência UFC

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