Mudanças climáticas refletidas em uma das maiores áreas úmidas do mundo: um panorama do regime hídrico do Pantanal Norte
A dinâmica do Pantanal é totalmente influenciada pelo pulso de inundação, o qual é, em parte, uma consequência do regime de chuvas da Amazônia na direção das cabeceiras e planícies onde a água é retida e a planície formada. A água entra no Pantanal principalmente a partir do Norte, onde a chuva é convertida em escoamento, e a margem do rio transborda conectando corpos d’água, alimentando e formando lagos.
Os autores do artigo em destaque usaram dados de precipitação, hidrologia e imagens de satélite com o intuito de verificar os possíveis padrões de precipitação, retenção de água e nível do rio Paraguai nas últimas décadas.
Foi verificado que, embora seja encontrado um pulso de inundação bem definido no Pantanal do Norte, ao longo de uma série histórica de 42 anos, o número de dias sem precipitação aumentou muito, assim como a perda de massa de água na paisagem nos últimos 10 anos, especificamente durante a estação seca
A área do Pantanal é de aproximadamente 140.000 km2, em que a área máxima sujeita a inundações pode chegar a 131.000 km2 durante a estação chuvosa. No Pantanal Norte, em uma área de 834.000 ha, os dados históricos da paisagem (de 2008 a 2018) mostram que a expansão média da massa de água na paisagem (corpos d’água permanentes e áreas inundadas temporárias), aumenta de 12,1% (101.384 ha) da área na época da seca, para 48,9% (407.977 ha) na cheia.
Porém, ao se analisar os dados do mês de agosto (pico da seca) dos mesmos anos, verifica-se uma queda significativa na área da massa de água, o que significa que o Pantanal Norte vem perdendo água gradualmente nos últimos anos. A área de massa de água em agosto/2008 era de 112.590 ha, enquanto em 2018 essa área foi reduzida para 95.076 ha, representando uma perda de 16% da área inundada em dez anos.
Esta diminuição substancial da massa de água pode ser uma resposta à diminuição da precipitação. Embora o Pantanal mantenha o mesmo volume de precipitação (mm) ao longo de uma série histórica de 42 anos, o número de dias sem precipitação aumentou. Em 1981 foram encontrados apenas 146 dias sem chuva, aumentando para 248 dias em 2001, e 287 dias em 2011. Esse acréscimo representa de 2 a 6% dos dias sem precipitação por década. Considerando que o ciclo hidrológico do Pantanal Norte está bem relacionado com a precipitação, esses períodos mais longos sem chuva tendem a diminuir a profundidade do rio, o que consequentemente afeta a planície de inundação como um todo.
A redução da massa de água e precipitação, consequentemente afetando a profundidade do rio e seu transbordamento, prejudica o processo ecológico, por exemplo, reprodução de peixes e dispersão de sementes. No que diz respeito aos ciclos físico-químicos e biológicos do ecossistema, essas mudanças podem resultar na perda de biodiversidade, bem como na perda de serviços ecossistêmicos, intrinsecamente ligados ao pulso de inundação.
De acordo com os pesquisadores, uma grande ameaça ao Pantanal é a pressão econômica imposta pelo setor do agronegócio fora da região. Além de que o projeto da hidrovia Paraguai-Paraná, para embarque comercial barato de soja e minerais para o Oceano Atlântico, e a dragagem do rio para passagem de barcos comerciais, podem levar à diminuição do tempo de retenção de água na área. Essas circunstâncias, incluindo a diminuição dos dias chuvosos, acabam alterando a hidrologia dos pântanos em grande escala, afetando seriamente as condições de vida das populações biológicas.
Outro ponto a ser considerado é o uso da paisagem de seca para a implementação de novos cultivos. O desmatamento no Alto Pantanal aumentou muito nos últimos anos. O plantio de soja chegou à baixada do Pantanal, o que é favorecido pelo aumento da área apta para o plantio caso a massa de água continue diminuindo.
Como os autores destacam, é bem conhecida a relação dos impactos desta atividade com a qualidade da água, contaminação hídrica por agrotóxicos, introdução de espécies invasoras, erosões e assoreamentos, e seus efeitos no Pantanal potencialmente prejudicam este bioma sensível.
Mais do que nunca, a importância do Pantanal como sistema hidrológico de amortecimento para áreas a jusante, regulador climático regional, valiosa área de retenção e purificação de água e centro de manutenção da biodiversidade deve ser reconhecida. A elaboração de planos estratégicos para salvaguardar a vida selvagem e as populações humanas, assim como a agricultura, a pecuária, a pesca e a preservação do estilo de vida das pessoas do Pantanal devem ser implementadas com urgência.
Leia o artigo completo. Acesse: doi.org/10.1590/S2179-975X7619.