Crescimento de área de manguezais resultou em diminuição de emissões de carbono em Santos e São Vicente
Os manguezais ocupam cerca de 14.000 km² do litoral brasileiro, espalhando-se do Amapá até Santa Catarina. E os brasileiros vêm tirando grande proveito de sua presença. Suas florestas protegem a zona costeira contra as ondas e o aumento do nível da maré, diminuindo a erosão do solo e protegendo comunidades e cidades costeiras. Zonas de mangues atuam como escudos contra a força do mar e do vento, diminuindo sua intensidade. Mas não são só os humanos que recebem benefícios. Suas grandes raízes aéreas abrigam e protegem animais durante o período de reprodução e as etapas de crescimento, o que lhes valeu o reconhecimento como berçários da vida marinha. Porém, apesar de todos os serviços ecossistêmicos que eles prestam, o Brasil vem se destacando como um dos países que mais emitem carbono devido ao desmatamento de manguezais. É o que aponta um estudo conduzido por pesquisadoras da Unesp e da Deakin University, Austrália, publicado na revista científica Estuarine, Coastal and Shelf Science.
Em florestas tropicais, como a amazônica, o carbono sequestrado não é armazenado por muito tempo. Isso ocorre porque, quando caem e se decompõem, as folhas liberam o carbono sequestrado, impedindo ciclos longos de armazenamento. Ao entrar em contato com a atmosfera, o carbono, antes preso, é convertido em CO2, um dos principais gases do efeito estufa.
Porém, no caso dos manguezais, o carbono sequestrado é armazenado no sedimento, abaixo do solo, criando estruturas conhecidas como “sinks” ou sumidouros de carbono. Isso permite que o gás fique estocado por períodos maiores, tornando as florestas de mangue importantes aliadas na mitigação das mudanças climáticas. Segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, o estoque de carbono destas florestas é maior do que o observado em qualquer outra floresta terrestre no mundo, inclusive as florestas tropicais úmidas. Entretanto, a devastação de áreas de mangue libera todo o carbono armazenado no subsolo, tornando essas regiões grandes emissoras do gás.
No Brasil, a desinformação sobre a relevância socioambiental dos manguezais tem contribuído para sua destruição e o uso indevido dos espaços que eles ocupam. Aqui, boa parte do desmatamento visa a utilização das terras para outros propósitos, como a construção e ampliação de áreas portuárias, indústrias, carcinicultura (técnica de criação de camarões em viveiros), ocupação irregular e agricultura. Mas, no país, ainda são poucos os dados disponíveis sobre esse ecossistema, tanto sobre o histórico de desmatamento, como de sua capacidade de armazenamento de carbono.
O artigo “Modelling spatial-temporal changes in carbon sequestration by mangroves in an urban coastal landscape” tem como autoras Débora M. de Freitas, do Instituto de Biociências da Unesp, campus São Vicente, Micheli Duarte de Paula Costa, da Deakin University, Austrália, e Lorena N. Rosa, que se graduou em ciências biológicas no Instituto de Biologia da Unesp em São Vicente e atualmente cursa mestrado na Unicamp. A pesquisa que embasou o artigo foi fruto do trabalho de conclusão de curso de Lorena, que buscou coletar dados sobre o estoque e a emissão de carbono nas regiões de Santos e de São Vicente, no litoral paulista, e também expandir a conscientização sobre a importância dos manguezais.
Descobrindo o passado, o presente e o futuro dos manguezais
Enquanto os manguezais do litoral das regiões Norte e Nordeste do Brasil sofrem principalmente com o avanço da carcinicultura e de empreendimentos imobiliários, no Sudeste as maiores ameaças vêm da conversão do uso das terras para servirem como áreas portuárias, campos para indústria e ocupação irregular. Essa é uma realidade marcante especialmente na Baixada Santista, nas cidades de Santos e São Vicente, onde está localizado o maior complexo portuário da América Latina e a maior comunidade de palafitas irregulares do Brasil.
Freitas comenta que, segundo estimativas mundiais, cada hectare de mangue destruído equivale a emissão de 60 carros novos por ano. Segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, publicado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e uma das primeiras publicações a reunir informações sobre esses ecossistemas, 25% das áreas originais de manguezais foram destruídos em nosso país desde o começo do século 20, o que corresponde a aproximadamente 467 mil hectares. O carbono liberado por esse desmatamento equivaleria a 28 milhões de carros novos emitindo CO2.
No estudo, as pesquisadoras analisaram as alterações nas regiões de mangue e nos estoques de carbono em Santos e São Vicente, entre 1988 e 2018. Além disso, elas fizeram projeções de qual pode ser o quadro em 2050, caso as tendências de conversão do uso do solo nas áreas de manguezais sigam as mesmas.
A pesquisa foi a primeira a determinar um valor aproximado dos níveis de estoque de carbono em Santos e São Vicente. Por conta disso, as pesquisadoras precisaram ser criativas para conseguir dados referentes aos anos anteriores, uma vez que não há registros prévios. “Há muitos mais dados históricos para matas, como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, do que para ambientes como os manguezais. Só mais recentemente começamos a conhecer esses ambientes”, diz Freitas. “Um dos grandes desafios para este trabalho é justamente mostrar como está nossa região hoje, e o que já se perdeu. Isso só é possível através da construção de modelos e do uso de imagens de satélites, porque não temos dados anteriores. Isso nos permite obter um quadro de como a região estava antes, como está agora, e desenhar cenários de projeção de futuro”, diz.
Entre 1988 e 1998 foi registrado um aumento de aproximadamente 55 hectares de manguezais na cidade de Santos, o crescimento equivalente a 3% da área original; em contrapartida, São Vicente teve uma diminuição intensa, perdendo 267 hectares, ou 20% das terras de manguezais. As pesquisas constataram que a perda de mangues nessa década se deu, principalmente, pelo uso dos espaços para agricultura e pastagem. Esse foi o período de maior baixa de áreas de mangue durante todo o estudo. As pesquisadoras acreditam que isso se deve, principalmente, por ser um momento anterior à lei que definiu os manguezais como Áreas de Proteção Permanente (APP), implementada em 2012.
Manguezal na comunidade de Mangue Seco, na zona noroeste de Santos. Crédito: Débora Freitas.
A perda de manguezais na década transcorrida entre 1988 e 1998 teve como consequência o período de maior emissão de carbono em ambas as cidades. Nos anos posteriores, a pesquisa revelou um aumento nas áreas de manguezais. Essa mudança impactou também nos níveis de emissão de carbono, diminuindo as taxas e, consequentemente, aumentando a quantidade de carbono estocado. Isso se reflete em números: ao longo de todo período analisado, o estoque de carbono de Santos aumentou em 29%, enquanto que em São Vicente o aumento foi de 14%.
Lorena Rosa destaca que uma possível explicação para o acréscimo maior observado em Santos, tanto em área de manguezais como em estoque de carbono, pode estar na aplicação de políticas públicas na cidade. “Em 2015 foi lançado o Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas de Santos. A cidade foi escolhida para ser o projeto piloto de um projeto maior, com abrangência nacional. Montou-se uma equipe para discutir esses assuntos no município e postular algumas ações que poderiam ser melhoradas”, comenta a mestranda.
Entre as iniciativas surgidas na cidade estava o projeto METROPOLE, focado em realizar análises ambientais e sociais da região para embasar tomadas de decisões locais, além de desenvolver estratégias visando a resiliência social e ambiental. Já no Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas, os manguezais foram considerados ecossistemas-chave para a conservação do meio ambiente.
Por outro lado, ao observar o intervalo entre 2008 e 2018, São Vicente apresentou uma redução na área de manguezais. A principal causa apontada pelo estudo é a urbanização, responsável por fragmentar e destruir florestas de mangue. É importante ressaltar que, ao contrário de Santos, a cidade não contou com iniciativas ou políticas públicas de proteção aos ecossistemas.
Apesar disso, o saldo final é otimista. Caso os índices de conversão das áreas de manguezal mantenham as tendências das últimas décadas, estima-se que, em 2050, Santos e São Vicente tenham o maior estoque de carbono desde 1988, com um índice de emissão praticamente nulo.
Planos de defesa para ecossistemas costeiros
Para alcançar esse cenário otimista, entretanto, é necessário que sejam desenvolvidas e implementadas novas políticas de proteção. Além disso, é preciso investir em iniciativas de conscientização sobre a importância dos manguezais.
O estudo de Freitas, Rosa e Costa é o início de um projeto maior, visando não apenas criar registros dos estoques de carbono em toda a região da Baixada Santista, como também usar esses estudos para influenciar as tomadas de decisões locais e, até mesmo, nacionais. “Esse trabalho foi o piloto para a gente mostrar quais são os ganhos e quais são as perdas na região. Nós vimos que os ganhos e perdas estão muito associados à urbanização, à questão da especulação imobiliária, da ocupação irregular, das atividades portuárias, mas, apesar disso, nós podemos trabalhar nesse ambiente para a conservação. Porém, tem que ser um trabalho muito bem coordenado”, diz Freitas.
Rosa também tem expectativas de que a pesquisa seja apenas o começo de um empreendimento maior de conscientização e coleta de dados na região. “Nós já sabíamos que os manguezais eram ecossistemas extremamente importantes para questões da vida marinha. Estudando, descobrimos também que ele é um ecossistema-chave para sequestro de carbono. Nesse sentido, nós delineamos os objetivos de modo a encontrar formas de como esses ecossistemas podem auxiliar nas políticas públicas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas”, diz.
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