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Ciências Agrárias

Cientistas propõem tecnologia feita com isopor para liberação controlada de fertilizantes na agricultura

Isopor, amido, óleo da casca da laranja, enxofre e colágeno. Essa é a “receita” proposta em uma pesquisa de mestrado defendida no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, em parceria com a Embrapa Instrumentação, para criar um novo revestimento nanométrico que poderá promover a liberação controlada de fertilizantes na agricultura. Mais sustentável e barata que os materiais utilizados hoje em dia, a tecnologia poderá contribuir para reduzir os impactos ambientais dos produtos empregados atualmente, além de dar um destino mais nobre ao isopor, material de difícil descarte e que leva anos para se degradar na natureza.

“A principal vantagem é aproveitar uma matéria-prima que gera impacto ambiental e que iria para o lixo. O isopor é uma espuma muito leve e ocupa bastante espaço, levando um século para ser dissolvido”, comenta o professor Wagner Luiz Polito do IQSC, orientador do trabalho, sobre a importância do novo material. “Mas, na nossa pesquisa, usamos um solvente verde para diluí-lo – o óleo da casca da laranja, permitindo que ele seja aproveitado em um revestimento para nutrientes, como se fosse uma capa muito fina que envolve o fertilizante e não prejudica a natureza. É uma fração muito pequena do material, e não gera impactos negativos”, explica”.

Segundo o professor, outro benefício da tecnologia proposta é o baixo custo em comparação com os revestimentos comerciais disponíveis atualmente, que são feitos a partir de derivados do petróleo e não são indicados para utilização em países tropicais, onde há chuva em abundância, por se degradarem com mais facilidade. “Vamos supor que a pessoa tenha uma pequena horta. Ela conseguiria comprar esse novo revestimento com isopor por um preço muito menor, porque estamos falando de um produto que seria jogado fora. Então é uma forma inteligente de você reciclá-lo”, explica o professor, que orientou a dissertação de Diego Fernandes da Cruz sobre o tema. “A estimativa é de que o nosso revestimento seja cerca de 1000% mais barato que os tradicionais, além de não gerar o impacto ambiental da exploração de matérias-primas vindas do petróleo”.

A liberação controlada de fertilizantes com a utilização de revestimentos é necessária para atender à fisiologia da planta, que demanda quantidades constantes e específicas de nutrientes de acordo com cada fase de seu ciclo de vida. Os fertilizantes mais empregados para o desenvolvimento e sobrevivência de qualquer planta ou vegetal são, basicamente, potássio, enxofre, nitrogênio e fósforo. No entanto, revestir um insumo para uso na agricultura não é simplesmente aplicar um filme sobre uma superfície, o material precisa ter a função de controlar a liberação de nutrientes de modo que eles sejam dispostos no solo de forma lenta e uniforme.

“Não basta criar um revestimento só para proteger a planta, ele precisa ser ‘ativo’, gerar reações químicas que contribuam para a sua degradação uniforme. Além disso, seu aproveitamento pela planta deve ocorrer respeitando os aspectos de equilíbrio nutricional e de fisiologia do reino vegetal”, aponta Polito. “Essa ‘capa’ deve se degradar aos poucos, tanto por ação de microorganismos como por reações químicas entre o nutriente e o revestimento. Tal processo permite que o fertilizante ‘vaze’ de maneira controlada”.

Testes

Nos últimos anos, o aumento da utilização de insumos como fertilizantes minerais foi alavancada pela necessidade de atender a crescente de alimentos e de outras matérias-primas, como algodão e madeira. Esses nutrientes possibilitam um grande aumento na produtividade, mesmo em uma restrita área útil de plantação. Além da utilização de insumos, o aumento da produtividade também se deve ao uso correto desses fertilizantes e ao desenvolvimento de novos materiais para revestimentos, auxiliando no processo de liberação lenta ou controlada. Porém, os fertilizantes revestidos são mais caros e geram resistência por parte dos agricultores, evidenciando a importância da pesquisa e criação de novos revestimentos com baixo custo que atendam as demandas de produção com sustentabilidade econômica.

A nova tecnologia proposta no estudo foi testada para revestir amostras de potássio, nutriente responsável pelo crescimento saudável do vegetal. Esse fertilizante auxilia no desenvolvimento de plantas e raízes e na retenção de água, aumentando a resistência em períodos de seca. Além disso, sem a sua presença, a planta fica mais suscetível a pragas e doenças.

Revestimento proposto pelos cientistas – Foto: Diego Fernandes da Cruz

“O potássio é importante para praticamente todas as produções porque ele ajuda a realizar a formação de algumas proteínas que protegem as plantas e auxiliam seu sistema metabólico”, acrescenta o professor do IQSC. Durante a pesquisa, grãos de potássio revestidos com o material feito com o uso de isopor foram colocados dentro de recipientes com água. O objetivo foi avaliar se o material era capaz de reter o nutriente e estudar o comportamento do revestimento ao ser submerso. Os resultados mostraram que o filme obtido apresentou alta maleabilidade, plasticidade e forte resistência à água.

Quanto à liberação controlada do potássio, os dados também foram positivos: após 72 horas imerso, pelo menos 25% do fertilizante ainda estava retido junto ao revestimento e não havia sido liberado, comprovando a viabilidade da nova tecnologia para a função. Também foi constatado que o grão de potássio com o revestimento levou muito mais tempo para ser liberado totalmente em comparação com o nutriente não revestido.

Agora, os próximos passos do estudo envolvem a realização de testes com outros tipos de nutrientes e a avaliação de desempenho do novo revestimento diretamente no solo. A expectativa é de que, em até dois anos, a nova tecnologia já esteja disponível no mercado.

O trabalho realizado por Cruz, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), não foi o primeiro da área com participação da Embrapa Instrumentação. A parceria com o IQSC existe desde 2016, por meio da ligação do professor Polito com o pesquisador Cauê Ribeiro, e já rendeu até um prêmio internacional, o Scholar, conferido pelo Instituto Internacional Nutrição de Plantas (INPI), dos Estados Unidos, ao então doutorando do IQSC, Ricardo Bortolettos. A honraria foi entregue pelo trabalho “Desenvolvimento e avaliação de sistemas poliméricos a base de óleos vegetais para a liberação controlada de ureia no campo”.

Fonte: Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC – Jornal da Usp.

Confira também: Pesquisa da UFRGS e UEA aponta que fungos da casca-preciosa podem ser capazes de degradar plástico

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