Pesquisadores analisam desafios técnicos e oportunidades para o estabelecimento de uma economia circular para resíduos de módulos fotovoltaicos
Em todo o mundo, com a transição para tecnologias de energia renovável, a opinião pública em relação à energia renovável está em constante mudança. Destes tipos de tecnologia, como informado na pesquisa de Farrell et al (2020), a indústria de energia solar fotovoltaica experimentou, em média, um crescimento de 50% ao ano de 2006 a 2016 e uma taxa de crescimento de 32% em 2017 e ainda, no final de 2018, a instalação global de módulos fotovoltaicos cumulativa de PV era de 515 gigawatts (GW), passando meio TeraWatt (TW) naquele ano específico.
A energia solar fotovoltaica é e continuará sendo de grande valia, não apenas do ponto de vista energético, mas também ambiental, para ajudar a atingir as metas climáticas de Paris na transição para um futuro de baixo carbono. Uma maneira pela qual a indústria solar fotovoltaica tem a vantagem de se tornar a forma mais popular de energia renovável é seu potencial para produzir eletricidade sem produzir quaisquer emissões, ruído ou qualquer forma de poluição do ar durante o uso operacional.
Sabendo do potencial dessa tecnologia, o artigo publicado na revista Renewable and Sustainable Energy Reviews busca avaliar tais módulos fotovoltaicos considerando o final de sua vida útil, sendo eles então considerados como lixo eletrônico. O lixo eletrônico convencionalmente acaba em aterros sanitários junto com outros resíduos sólidos urbanos (RSU) ou é incinerado com pouco controle de emissão de gases, liberando materiais tóxicos e cancerígenos na atmosfera.
Conforme é mostrado na pesquisa, o relatório de gestão de fim de vida útil de painéis fotovoltaicos da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) 2016 estimou que, em 2030, haveria entre 1,7 e 8 milhões de toneladas de resíduos de módulos fotovoltaicos em circulação no mercado de reciclagem, com um aumento para 60–78 milhões de toneladas até 2050.
A tecnologia fotovoltaica (FV) de primeira geração, que é subdividida entre silício monocristalino e silício multicristalino, teve uma participação de mercado média entre 80 e 90% ao longo de um período de 36 anos de 1980 a 2016. Isso significa que, dos resíduos fotovoltaicos que ocorrerão no futuro, a maioria desse fluxo de resíduos específico será composta de tecnologia fotovoltaica c-Si (silício cristalino) e dos constituintes associados a este tipo de módulo.
A maioria dos módulos fotovoltaicos em seu fim de vida (do inglês End-of-Life) globalmente são enviados para aterros sanitários. Mas como nos dizem os pesquisadores, esse tipo de descarte não é uma opção sustentável a longo prazo. Com os metais pesados presentes nos módulos fotovoltaicos de silício cristalino (c-Si), como chumbo e estanho, esses materiais podem lixiviar ou contaminar o solo ou as águas subterrâneas, resultando em problemas significativos de poluição ambiental. Estima-se, por exemplo, que em 2050 a categoria global de resíduos fotovoltaicos poderá representar 10% da geração total de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (REEE).
Atualmente, existe a necessidade de uma estrutura que forneça sinais apropriados aos fabricantes e consumidores de painéis fotovoltaicos (painéis FV) de modo em se darem conta da existência de recursos finitos nesses painéis FV e na necessidade em se promover a economia circular.
Segundo os autores, até o momento existem pesquisas limitadas sobre as metodologias de reciclagem da tecnologia fotovoltaica, considerando o impacto que, sem dúvida, terá no futuro. Com base nessa informação, o trabalho resume e fornece uma revisão atualizada dos avanços mais recentes na reciclagem de módulos fotovoltaicos, mais especificamente, os módulos fotovoltaicos c-Si de primeira geração, que têm participação dominante no mercado de tecnologia fotovoltaica em todas as regiões demográficas nos últimos 30–40 anos.
O objetivo é fornecer implicações sobre o método de reciclagem mais eficiente para módulos fotovoltaicos c-Si até o momento na forma de delaminação e remoção de material polimérico degradado, bem como relatar as maneiras de utilizar os polímeros residuais. Tais polímeros, como o encapsulante EVA, que recebeu bastante foco na pesquisa, são conhecidos por serem contribuintes principais e significativos no fim da vida útil dos módulos FV.
Sobre a reciclagem de módulos fotovoltaicos
Devido ao método de laminação e encapsulamento desses módulos, as oportunidades de reparo e manutenção, reutilização e remanufatura de células PV e materiais secundários associados sem processamento agressivo são muito limitadas. Esse design integrado significa que as oportunidades de economia circular para as células fotovoltaicas atuais geralmente começam no centro da hierarquia de resíduos, ou seja, no estágio de reciclagem/remanufatura.
O processo de laminação, como informado pela página Portal Solar, trata-se de uma etapa que pode ser comparada ao processo de plastificação de documentos, mas feito obviamente através de métodos específicos. É o momento em que o encapsulante EVA, que recebe bastante foco na pesquisa de Farrell et al, se funde formando uma camada com o objetivo de proteger as células fotovoltaicas de intempéries.
Diagrama de um módulo fotovoltaico c-Si. Fonte: Ferrall et al (2020).
Para obter o valor máximo de qualquer processo de reciclagem, é necessário produzir um produto reciclado de alta qualidade que é ou pode se tornar um produto valioso e de alta qualidade. Na reciclagem de ciclo fechado, tenta-se recuperar produtos e materiais secundários que podem ser alimentados na cadeia de abastecimento do produto original. Para dar um exemplo no caso dessa tecnologia, materiais e produtos como os wafers de silício poderiam ser recuperados e reutilizados na fabricação de novas células fotovoltaicas.
Produção da célula fotovoltaica: da esquerda para a direita, o minério de silício purificado, o forno de Czochralski, lingote de silício, as fatias (wafers) e a célula fotovoltaica monocristalina. Fonte: Portal Solar
No caso da reciclagem de ciclo aberto ou linear, esta ocorre quando a qualidade dos materiais não é boa o suficiente para o produto original, mas ainda pode ter um valor inferior e ser usado em outras indústrias. Essa perda de valor que ainda possibilita seu uso leva um material que seria descartado, a ainda ter várias vidas projetadas e oportunidades de recuperação em produtos sequencialmente menos valiosos.
Atualmente, existem três famílias de processos que são usados sozinhos ou em conjunto para reciclar células fotovoltaicas. São processos físicos, químicos e térmicos, que foram explicados na pesquisa de Farrell et al (2020). A forma como esses processos são aplicados (e a ordem em que são aplicados) afetará a qualidade e o valor dos materiais recuperados.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na reciclagem de painéis fotovoltaicos
Em um nível superior, como é informado na pesquisa, o conceito de economia circular pode ser interpretado como uma parte complementar do desenvolvimento sustentável e atinge uma série de ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) das Nações Unidas, com o Objetivo 12 (Consumo e Produção Responsáveis) apresentando-se como sendo o mais significativo.
Ao focar na reciclagem eficiente de módulos fotovoltaicos, há dez dos dezessete ODS no total que podem ser considerados relevantes. Em última análise, isso significa que, se a sustentabilidade for alcançada em um sistema de reciclagem de módulos fotovoltaicos, vários impactos positivos resultarão em outras questões e objetivos fora deste setor específico. Estes impactos podem influenciar outras indústrias a fazer o mesmo, tornando a indústria fotovoltaica líder pelo exemplo.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Fonte: ONU.
Para ter essa abordagem ODS e uma estrutura circular 3R (Reduzir, Reutilizar, Reciclar) eficaz, é necessário que o ecodesign seja implementado em primeira instância na fabricação de módulos fotovoltaicos. Como afirmam Farrell et al, o modelo atual de vida útil de 20-25 anos, usando uma estrutura laminada com um encapsulante como o EVA, não é o ideal.
Apesar das propriedades do EVA que o tornam o padrão atual da indústria, deve ser considerada uma mudança no design dos módulos com vistas à possibilidade de reutilização, mesmo que isso promova uma vida útil e tempo de coleta mais curtos. Isso garantiria que os fabricantes controlassem a cadeia de abastecimento e não fossem tão afetados pela volatilidade dos preços dos materiais raros e preciosos usados. Essa mudança ajudaria a promover a economia circular.
Algumas das conclusões dos autores
Até a presente data, de acordo com Farrell et al, surgiram relativamente poucos resíduos fotovoltaicos. Mas existe uma expectativa de grandes quantidades num futuro muito próximo. Atualmente, o método de reciclagem física para esse tipo de resíduo, ou lixo eletrônico, pode ser adequado em termos de rendimento, mas não leva em consideração a energia e as emissões associadas à fabricação inicial, que até o momento estão tendo que ser reaplicadas aos módulos fisicamente tratados.
Além disso, não considera oportunidades circulares dentro da indústria e carece de um bom ecodesign em que os módulos possam ser projetados e construídos com o objetivo de ser possível a recuperação para a reutilização direta de constituintes, com exceção do EVA, que provavelmente permanecerá o padrão da indústria para encapsulamento.
Como anteriormente informado, as várias metodologias de reciclagem física, química e térmica e de recuperação de materiais de módulos fotovoltaicos de primeira geração (c-Si) foram revisadas e analisadas na pesquisa, sendo que os autores caracterizaram como principal achado, que a pirólise com foco na energia e recuperação, além da possibilitação do uso do wafer de silício, é uma forma de reciclar os módulos fotovoltaicos atuais por delaminação com resultados limpos. Esse processo depende consideravelmente do controle da taxa de aquecimento e das tensões térmicas que irão surgir no módulo.
Portanto, é sua recomendação que trabalhos experimentais sejam feitos neste campo com o intuito de ajudar a maximizar a recuperação total de células FV. Farrell et al informam que a exemplo de estudo anterior de sua autoria e estudos na literatura mostraram que a pirólise é eficiente para remover o material polimérico na forma do encapsulante EVA e na maioria da folha traseira do módulo FV; com menos de 1% em peso residual restante para a fração de EVA e entre 20 e 25% em peso residual restante para a fração de folha traseira.
O encapsulante EVA pode ser considerado o material mais problemático em módulos fotovoltaicos devido à sua degradação ao longo do tempo. À medida que se degrada, menos luz é transmitida às células solares e isso diminui a produção geral de energia do módulo. Essa queda na potência explica por que o módulo é classificado como estando em fim de vida útil. A remoção de EVA e a delaminação de módulos fotovoltaicos foi relatada como a etapa mais difícil para reciclar esses módulos.
Com os dados analisados, os autores afirmam que a pirólise não só tem o benefício de não levar à ocorrência de oxidação química dos constituintes, mas também de possibilitar uma separação relativamente limpa das camadas subsequentes, sem a necessidade de produtos químicos perigosos. Além disso, a pirólise pode fornecer energia que pode ajudar na delaminação de outros painéis e afetar positivamente a viabilidade econômica do processo de reciclagem.
Importante também mencionar que vários estudos mostraram que a economia das metodologias de reciclagem atuais não é lucrativa. E para que a reciclagem de módulos fotovoltaicos ocorra em um padrão eficiente, a indústria fotovoltaica precisa reduzir constantemente o preço e o custo incorrido da reciclagem como um todo para ser sustentável em um mercado competitivo de reciclagem e energia. Isso só pode ser feito por meio da rápida otimização da coleta de módulos fotovoltaicos e dos estágios de recuperação de material em um futuro próximo.
Para o design fotovoltaico atual, a possibilidade de reaproveitar alguns dos constituintes dentro dos módulos, seja na forma física ou energética, irá compensar o déficit potencial de metais raros e preciosos e auxiliar na sustentabilidade deste setor de energias renováveis.
Considerações para pesquisas futuras
A agenda de pesquisas futuras nesta área deve começar examinando as emissões dos polímeros relevantes encontrados nos módulos fotovoltaicos c-Si. O estudo de emissões garantirá que elas estão ou podem estar em um nível adequado, onde a energia ainda pode ser aproveitada em escala industrial em um sistema de circuito fechado ou aberto. Isso permitirá maior delaminação de módulos ou uso para outras aplicações de energia no local.
Além disso, modelos de processo podem ser criados a partir desses estudos para ajudar a determinar como o sistema reagirá em escala e ao longo do tempo com o desenvolvimento de pequenas mudanças no design do módulo FV conforme os módulos atuais atingem seu estágio de fim de vida útil. Isso beneficiaria a cadeia de suprimentos do módulo fotovoltaico e a disponibilidade geral dos materiais escassos que esses módulos contêm. Deve ser destacado o fato que deve haver mais foco no projeto de futuros módulos fotovoltaicos de modo que possam ser facilmente reutilizados, recuperados e remanufaturados.
Leia o artigo completo. Acesse: doi.org/10.1016/j.rser.2020.109911.